Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Temos que reconhecer nossos privilégios', diz o rapper Projota

Isolado em casa com a mulher e a filha de três meses, o rapper faz uma live neste domingo (24) e diz não se obrigar a ser mais produtivo neste momento: 'Tô de boa, trocando fralda'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Projota

Autorretrato do rapper Projota em quarentena em sua casa, em SP Arquivo pessoal

O rapper Projota mal vê a hora de poder levar a sua filha neném para passear. “A gente só fica rodando com ela em volta da mesa de jantar”, conta o pai de Marieva, de três meses. “Tô doido de vontade de botar ela no carrinho e passear na rua, ir para um parque, um shopping.”

A menina nasceu no dia 8 de fevereiro, pouco antes dos primeiros casos do novo coronavírus no Brasil e da recomendação pelo isolamento social em São Paulo. Desde então, ele e a família se retiraram em sua casa em Carapicuíba (SP), onde está “cercado de mato” e da qual só sai usando máscara para ir ao mercado.

Pai de primeira viagem, o cantor de 34 anos diz se preocupar com a saúde da filha desde os primeiros sinais do vírus, quando ainda não se sabia se os recém-nascidos estariam ou não no grupo de risco da Covid-19.

Ele e a mulher, a atriz Tâmara Contro, estão sozinhos com a filha em casa e se revezam nas tarefas domésticas. “Não tem uma divisão exata do que cada um faz, depende do dia e, principalmente, da neném”. De vez em quando, contam com a ajuda da sogra, que “vem dar uma desafogada aqui”, segue.

A ideia de ter uma babá ou alguém que cuidasse da filha foi descartada pelo casal antes mesmo da pandemia. “A gente queria poder viver essa experiência e ser totalmente 100% presente ali para ela.”

Mas afirma que não é tarefa simples, ainda mais no contexto de quarentena. “É muito barra, não é fácil mesmo. Mas fico imaginando como é que é para outras pessoas, que têm que lidar com tudo isso e ainda um problemão financeiro que apareceu nesse momento. Temos sempre que reconhecer os nossos privilégios e ver que poderia ser muito mais difícil. Não posso ficar aqui reclamando. Vou arregaçar as mangas e cuidar da Marieva.”

Projota lançou seu primeiro trabalho em 2009, o EP “Carta aos Meus”. De lá pra cá, ganhou espaço na cena do rap ao lado de nomes como Rashid e Emicida, emplacou músicas em novelas e alcançou a marca de 1,5 bilhões de visualizações em seu canal no YouTube.

No caminho, sofreu críticas por se aproximar musicalmente do pop e foi acusado de “perder a essência do rap” —e diz que foi muito afetado por isso. “Ninguém coloca a própria arte na rua querendo que alguém fale mal dela ou da forma como ela é feita, ou do jeito que posiciono a minha carreira. Você planeja tudo para dar certo. Mas essa questão ‘se é rap ou não é rap’... pô, cara, que que é isso? Vamos enxergar tudo o que eu fiz e faço pelo hip-hop, as portas que eu abri. Ninguém vai tirar isso.”

​Projota diz que se preocupa com os impactos da pandemia na cultura e que desde o começo percebeu que não haveria shows “por um bom tempo”. Um de seus primeiros compromissos profissionais que percebeu que seria afetado foi o festival de música Rock in Rio Lisboa, em que ele se apresentaria em junho. O​ evento foi adiado para 2021.

“Não sabia nada do que ia acontecer, só sabia que o barato ia ser louco. E que a gente precisaria estar preparado emocionalmente para poder lidar com tudo o que viria pela frente.”

“Desde o começo eu sou a favor do ‘lockdown’ [bloqueio total]. Se tudo tivesse parado no começo, a gente estaria como estão alguns países da Europa agora, já saindo [da quarentena]. Agora, estamos num ponto questionando o que vai ser dos artistas, né? Porque o Projota dá um jeito, mas as pessoas sempre se esquecem dos pequenos. Eles são muito afetados.”

“O que me machucou muito foi pensar como isso vai afetar psicologicamente a vida das pessoas. É difícil de falar, fico com medo até de ser gatilho [para alguém] trazer esse assunto à tona”, diz, com a voz embargada. “É triste, eu já passei por depressão e sei o quanto a situação financeira pode levar uma pessoa para isso. Eu não gosto nem de pensar nisso, de verdade, é muito difícil.”

Ele avalia que o valor do auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal deveria ser maior. “O que o meu pai, que era mestre de obras, ia estar fazendo agora se [a pandemia] tivesse acontecido há 20 anos? Estaria trabalhando para ter dinheiro e conseguir comprar uma mistura, uma carne. Por isso que eu tento enxergar como é a perspectiva do outro, vi isso no meu pai. Fica muito fácil para o Projota falar ‘fica em casa’. E vou continuar defendendo isso para quem pode. Mas nunca vou deixar de entender e reconhecer que muita gente não tem como ficar em casa.”

O rapper critica a crise política do governo federal brasileiro. “É surreal. O país está uma loucura, é ridículo isso que a gente tem visto e vivido todos os dias. Não é possível isso num momento como esse. A palavra é revolta.”

Ele afirma que nunca foi radical na política a ponto de “bater no peito e levantar uma bandeira”. Diz que criou naturalmente dentro dele um pensamento de esquerda, votou no PT e se decepcionou com atitudes do governo petista. “Tive a consciência de enxergar as coisas e não ser radical. Nunca levantei bandeira, simplesmente era uma visão que combinava com o que eu acreditava e que fez muito por mim e pelos meus familiares.”

Reforça que conseguiu entrar na faculdade por meio do Prouni (Programa Universidade para Todos), criado durante o governo Lula. “Não posso esquecer esse tipo de coisa. Mas, ao mesmo tempo, não posso também falar ‘faz o que quiser porque você me deu a minha faculdade’.”

“Me deixa sem graça ver o radicalismo dessa extrema-direita da galera que acredita que eles têm um Deus na Presidência. Não consigo entender. Um cara [Lula] me deu uma faculdade e eu não o vejo assim. Esse cara não deu nada para eles e eles o enxergam como um Deus.”

O rapper ajeita a câmera de seu aparelho enquanto fala com a coluna por chamada de vídeo —na posição vertical, sem perceber, estava mostrando só o topo de sua cabeça. Ele vestia um casaco moletom amarelo neón e estava sentado num sofá da sala de sua casa. “A minha esposa está lá em cima com a Marieva agora. Ela estava chorando muito, mas parou pra gente poder conversar. Achei fantástico. Essa menina é muito educada”, conta, entre risos.

O cantor diz que a ideia de um ócio criativo dos artistas durante a quarentena não faz sentido para ele. “Sempre fiz muita música, independentemente de onde estivesse. Me perguntam se eu estou compondo muito. Não, eu tô trocando fralda, na real [ri]. E estou de boa em relação a isso porque acabei de produzir um disco inteiro”, conta, referindo-se ao CD “Tempestade numa Gota d’Água”, cujas quatro primeiras faixas foram lançadas nas plataformas digitais na sexta (22).

Se anima ao falar do álbum. Segundo diz, o novo trabalho marca um momento de sua vida que é muito “família e espiritual”. “Ele fala menos do externo e mais do interno. É um CD que mescla bastante esse lance da mensagem forte com o entretenimento”, diz. Além das quatro músicas, o cantor também lançou o clipe de uma delas, a dançante “Ombrim”, dirigido por Lázaro Ramos, e que conta com a participação do ator e da atriz Taís Araujo.

Algumas das novas canções serão apresentadas em primeira mão em uma live que o artista fará em sua casa, neste domingo (24), às 20h. Ela será transmitida pelo canal do YouTube do rapper. “Vai ser aqui mesmo, olha”, diz, enquanto vira o aparelho para mostrar o ambiente da sala. “Vai mudar tudo. Vou arrastar umas coisas, a mesa de sinuca, os sofás e vamos fazer aqui dentro.”

E como será o pós-pandemia? “Acho que não vai mudar nada, não. Não vou mentir para você. Podia ficar falando que eu sinto que as pessoas… Eu torço que sim, mas acho que não. Nem lavar a mão a gente vai lavar, tá ligado? O básico não vai ser assimilado ou incorporado no dia a dia das pessoas. A gente está no meio do negócio e você vê vários carros na rua. Então como eu posso acreditar que tudo vai ser lindo depois?”, reflete.

Mas pretende que a sua própria vida passe por mudanças. “Sempre fui um cara que fica muito gripado, pela rotina de não dormir, de fazer show à noite, viajar. Minha imunidade sempre foi baixa. E agora eu tô há meses sem pegar uma gripe, uma coisa que eu não conheço. E percebendo como esse cuidado faz diferença. Vou ter que me cobrar pra ter essa mudança na minha vida depois.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.