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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Índios sofrem projeto de genocídio étnico absurdo', diz Alice Braga

Em quarentena nos EUA, a atriz estreia vídeos de ação em prol das causas ambiental e indígena e diz que cinema brasileiro pode acabar

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A atriz Alice Braga Gil Inoue/Divulgação

Alice Braga viveu como poucos, na ficção, cenários catastróficos com cargas dramáticas de tragédia. Ela esteve presente na Nova York devastada por um vírus no filme “Eu Sou a Lenda” (2007), na Terra arrasada de “Elysium” (2013) e no mundo abatido pela cegueira e pela violência de “Ensaio Sobre a Cegueira” (2008). Alice não imaginava, porém, que seu próximo roteiro de fim de mundo seria vivido em 2020, fora das telas de cinema.

Em Los Angeles (EUA), onde tem residência, a atriz e produtora de 37 anos divide suas atenções entre a evolução da Covid-19 nos EUA de Donald Trump e no Brasil, onde estão suas raízes e seus familiares. Ambas as nações lideram o ranking de novos casos e mortes da Covid-19.

“São dois países que claramente tomaram todas as atitudes no caminho mais desumano e mais caótico possível. Acho que transformar o uso de máscara em uma questão política foi o que causou o grande caos aqui nos Estados Unidos. Miami é o novo epicentro do mundo, está sendo tratado como Wuhan [na China, o primeiro foco do vírus]”, diz.

A atriz Alice Braga posa com camiseta branca e calça jeans escura. Seu braço esquerdo está esticado e apoiado numa janela, enquanto sua mão direita está guardada dentro do bolso de sua calça. Atrás dela, há uma planta de sua altura, encostada na quina da parede, que preenche todo o fundo. O retrato foi tirado em preto e branco
A atriz Alice Braga - Gil Inoue/Divulgação

“A gente está falando de dois governos que não só não acreditam na ciência, como lutam contra. Quando existe uma pandemia, é a panela para o caos. O que isso faz com a população, em grande escala, é devastador.”

Longe da família desde janeiro, quando esteve no Brasil pela última vez antes de voltar aos Estados Unidos para gravar a nova temporada da série “A Rainha do Sul” (disponível na Netflix), a distância é para ela um motivo de angústia diária. “A sensação é a de que eu estou em outro planeta”, diz.

Para além da turba de mortos, enlutados e desempregados atingidos pela pandemia, outro tema que inquieta Alice é a iminência de um colapso diante da degradação do meio ambiente.

Neste domingo (19), a atriz lança, junto com o Greenpeace, uma série de vídeos em português e em inglês que exploram a conexão entre o consumo de alimentos, a produção industrial de commodities, a destruição de ecossistemas e a violência contra povos indígenas e comunidades locais.

“A aceleração para voltar a economia vai vir de uma forma desesperadora. O que a gente vivia já não era normal. Pensar em voltar para esse antigo ‘normal’ é suicídio”, diz, ao citar a jornalista e ativista canadense Naomi Klein, de quem é leitora assídua.

“É muito importante ter consciência de que a indústria do agronegócio hoje é tão responsável pela emergência climática quanto a indústria de combustíveis fósseis. Ela representa 80% dos gases de efeito estufa no Brasil. Quando a gente não sabe de onde vem a carne que está comendo, provavelmente vem de desmatamento.”

Sua aproximação da causa ambiental e do Greenpeace teve início em 2016, quando foi convidada para conhecer os Munduruku, povo indígena que habita o entorno do rio Tapajós e que, na época, encontrava-se ameaçado pelo plano de construção de uma hidrelétrica —que não prosperou.

“Conheci os caciques e a região, visitei aldeias de barco. Foi um encontro muito potente, é um povo de guerreiros. Uma coisa que ficou no meu coração é que, para eles, a casa é a floresta. Eles não dizem ‘aqui é minha casa, e lá fora é lá fora’. Não. Na cidade, distante da floresta, a gente perde essa consciência”, conta.

Ela lamenta os vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), publicados no início de julho, que desobrigam o governo federal de fornecer água potável, distribuir materiais de higiene, de limpeza e de desinfecção de superfícies e de disponibilizar leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI) para aldeias ou comunidades indígenas.

“Para mim, parece [ser] um projeto de genocídio étnico absurdo [dos índios] no Brasil. Me parece desumano, principalmente durante uma pandemia. Querendo ou não, os índios protegem a floresta há mais de 500 anos.”

Confinada com sua companheira, a atriz Bianca Comparato, e seu cachorro de estimação, Pingo, Alice conta que nestes cinco meses de quarentena já teve algumas fases, indo de experimentos na cozinha à prática de atividades físicas. “No início, eu tive muito a fase do bolo, aí eu segurei um puco quando a quarentena foi aumentando [risos]”, conta.

“Mas eu tenho me organizado. Tento sempre fazer um cotidiano e honrar o fim de semana para não me perder. Quanto mais o tempo vai passando, mais você tem que começar a ficar criativo nesse lugar de se cuidar emocional e fisicamente para ficar firme e para ajudar os próximos.”

A atriz Alice Braga - Gil Inoue/Divulgação

Alice tinha volta programada para o Brasil em junho, quando lançaria o filme “Eduardo e Mônica”, baseado na canção homônima da banda Legião Urbana. Por ora, ainda não há uma nova data de estreia.

“Quem me apresentou ‘Eduardo e Mônica’ foi o [cineasta] Jorge Furtado, que é amigo da minha mãe. Eu lembro de ele me mostrar essa música na rádio quando eu era criança e a gente estava em férias de verão, perto de Florianópolis. Tenho uma memória afetiva muito linda. Quando me chamaram para fazer o filme, fiquei emocionada.”

“É um casal que existe no imaginário das pessoas, e foi um desafio por isso. Como levar para o cinema? A gente investigou muito a vida do Renato [Russo] para poder viver um pouquinho disso na tela. Ele tinha um pouco de Eduardo e um pouco de Mônica”, conta a atriz, que diz ter ficado nervosa quando recebeu a visita do filho do cantor, Giuliano, no set de filmagem. “Era o filho do Renato!”, afirma, aos risos.

No início de março, quando a Covid-19 ganhou status de pandemia e sua duração ainda era vista com incerteza em países que registravam seus primeiros casos, a produção da série “A Rainha do Sul” pediu a Alice que não saísse do país, temendo que ela não pudesse voltar. “A Bianca estava me visitando quando tudo começou. Eu estava filmando em Nova Orleans e ela estava lá, o que foi uma sorte, porque ela ficou junto comigo”, diz.

O namoro de longa data das duas atrizes veio a público em janeiro deste ano, vazado na imprensa. Apesar do desconforto que pode ser ter um relacionamento exposto a fórceps, é com leveza que Alice aborda o episódio.

“É engraçado porque a vida inteira eu sempre fui muito reservada por achar que quanto menos as pessoas sabem sobre mim, mais elas podem acreditar em personagens. Mas acho que existe uma curiosidade muito grande, ainda mais se é um tema tido como tabu ou como controverso.”

“A gente não ficava dando satisfação para ninguém, até porque a gente nem sabia se a gente ia acabar [o namoro] no dia seguinte [risos]. É claro que [a notícia] veio desse lugar da fofoca, mas acho que com quanto mais naturalidade a gente fala sobre isso, mais mostra que o amor é igual. Acho que a luta LGBTQ+ é um pouco sobre isso, falar que o amor é amor”, diz.

Juntas, Alice e Bianca fundaram o Cinema de Fachada, projeto que elege a fachada de um prédio em alguma cidade brasileira para fazer a projeção de um filme nacional, seguida de debate.

“Ela [Bianca] já tinha esse desejo de fazer cinema projetado. Ainda mais agora, com tudo o que está acontecendo, por esse governo e esse constante ataque à cultura”, conta Alice. “Acho que existe uma coisa de comunidade, de você saber que a pessoa do apartamento de cima pode estar vendo o mesmo filme que você. É um pouco celebrar a cultura e o nosso cinema.”

A próxima exibição do Cinema de Fachada será do filme “Pitanga”, dirigido pela atriz Camila Pitanga, na próxima quarta-feira (22), no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. A ideia é expandir o projeto para outras cidades brasileiras já na edição seguinte, programada para agosto.

“Eu vejo pessoas que já tiveram projetos e leis de incentivo aprovados que não conseguem acessar o dinheiro. Existem manobras políticas muito fortes acontecendo, que não deixam de ser parte de um plano de desmantelamento da nossa cultura e da nossa identidade. É muito triste pensar isso, porque um país sem cultura é um país sem história e sem educação. Nosso cinema está, praticamente, deixando de existir.”

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