Filho de Dias Gomes e Janete Clair lança filme sobre morte do irmão de só dois anos

Baterista estreia como roteirista em curta de animação que rememora a dor pela perda repentina do caçula da família

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São Paulo

Janete Clair e Dias Gomes saíram de casa, rumo ao hospital, com o caçula, Marcos Plínio, de dois anos e meio. Voltaram no dia seguinte sem o bebê e contaram ao filho Alfredo, de oito anos, que o irmão dele havia morrido, tivera uma morte súbita.

Sem entender bem, o garoto não teve reação. Dias se passaram, meses talvez, em sua lembrança, até que perguntou quando o Marquinhos voltaria para casa. Ao ouvir que "ele não volta mais", chorou horas e horas sem parar e passou a viver "um inferno".

Mais de meio século depois, o baterista Alfredo Dias Gomes, de 61 anos, se aventura no ofício dos pais, que foram pilares da teledramaturgia brasileira, e lança, como roteirista, um curta-metragem no qual rememora o drama de sua família. "Saudade" é uma animação musical, com pouco mais de cinco minutos de duração. Com traço, roteiro e trilha sonora delicados, conquistou quatro prêmios em festivais internacionais, entre eles o New York Independent Cinema Awards, e acaba de ser lançado no YouTube.

O baterista Alfredo Dias Gomes, filho de Dias Gomes e Janete Clair, lança o curta-metragem de animação "Saudade", sobre a morte de seu irmão
O baterista Alfredo Dias Gomes, filho de Dias Gomes e Janete Clair, lança o curta-metragem de animação 'Saudade', sobre a morte de seu irmão - Divulgação

É curiosa a história de como Alfredo, com esse curta-metragem, reelaborou o trauma pela morte do irmão, que ocorreu em janeiro de 1968, e também a sua relação com a escrita, sendo ele filho de dois dos mais célebres escritores brasileiros. Foi no Ano-Novo de 2020 para 2021, uma noite triste pela morte das vítimas da pandemia, que Alfredo pensou nos seus pais e no irmão e teve a ideia de resgatar essa memória. Primeiro criou a música "Saudade", que fez parte de seu álbum "Metrópole", e depois decidiu elaborar o roteiro e produzir o filme, em parceria com a produtora REC Design.

"Quando os meus pais eram vivos, falávamos sempre do meu irmão em casa", conta Alfredo –Clair e Dias Gomes tinham outros dois filhos mais velhos, Guilherme e Denise, adolescentes à época em que o pequeno morreu. "No Réveillon de 2021, eu me toquei que não pensava nele fazia muito tempo e isso me incomodou", conta o baterista.

"Comecei a escrever o roteiro em uma noite e fui direto até terminar, na tarde do dia seguinte. Foi uma catarse", diz Alfredo. "Eu escrevia e chorava. Ao longo do processo, fui me lembrando de detalhes da morte, da nossa relação, até da voz dele, de que havia me esquecido", diz, emocionado. "A memória dele não podia ser apagada."

Se, emocionalmente, não foi fácil para Alfredo escrever o roteiro, do ponto de vista técnico ele não enfrentou dificuldade. Ainda que nunca tivesse assinado um trabalho como esse anteriormente, ele nasceu e cresceu cercado de roteiros, e dos melhores da história do rádio, do teatro e da televisão.

Entre as obras de Janete Clair, por exemplo, estão as novelas "Irmãos Coragem", "Pecado Capital" e "Selva de Pedra". Dias Gomes é autor do clássico teatral "O Pagador de Promessas" e de sucessos da TV como "O Bem-Amado" e "Roque Santeiro", entre outros.

Os dois sempre trabalharam em casa e viviam para lá e para cá com suas máquinas de escrever. Alfredo, portanto, tomava café da manhã, almoçava e jantava com os pais trocando ideias sobre a construção de personagens, sinopses, diálogos, cenas et cetera. E tinha de assistir às novelas ao lado deles. "Eu acompanhava em tempo real todos os comentários que faziam sobre a direção, a iluminação, a atuação do elenco, tudo."

O luto pela morte de Marcos teve consequências na carreira dos pais. Para ambos, o mergulho na ficção foi o caminho para tentar fugir da realidade insuportável. Quando o filho morreu, Janete Clair escreveu sete novelas seguidas na Globo. Dias Gomes acabou aceitando, em 1969, convite para também ser autor da emissora, uma vez que, no teatro, onde atuava até então, suas peças eram censuradas pela ditadura militar.

Para Alfredo, a cura veio pela música. Aos 11 anos, ganhou uma bateria, e a vida, aos poucos, deixou os tons de cinza e voltou a ser colorida, como mostra o filme. Ele também gostava de escrever desde pequeno, mas carregava o peso do nome dos pais a cada redação que fazia na escola. Uma delas, lembra, ele mostrou empolgado para o pai, que, tentando ajudar, fez uma leitura crítica, quase profissional. Melhor tocar bateria, o menino pensou. E assim construiu uma bem-sucedida carreira musical, que agora se reconcilia com a escrita e com as memórias dolorosas da família.

"Minha filha fala para todo mundo que o pai dela virou roteirista aos 60", conta, rindo. A filha é Renata Dias Gomes, de 38 anos, roteirista da TV Globo que, desde a adolescência, decidiu seguir a carreira dos avós famosos e, para as suas redações escolares, teve Dias Gomes como um leitor entusiasmado e certamente menos crítico. "Avós são assim, né?", brinca Alfredo, que encerra a entrevista para ir ao aniversário de sua neta.

Saudade

  • Autor Alfredo Dias Gomes
  • Produção REC Design
  • Ilustrações Victor Tufani
  • Motion design Cinthia Rosa
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