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'Quero entender de novo o que é Deus', diz Jesuita Barbosa

Ator se despede de seu protagonista em 'Pantanal', diz aprovar a erotização do corpo masculino na TV e fala sobre a sua relação com o divino

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O ator Jesuita Barbosa, em ensaio fotográfico de março deste ano Mariana Maltoni/Divulgação

Quem procurar por Jesuita Barbosa nas próximas semanas provavelmente irá encontrá-lo "estatelado" no sol de alguma orla do litoral cearense. Ao menos, diz ele, é esse o seu plano para os dias que sucederão o fim de "Pantanal", da TV Globo. "Tomando sol, me alimentando de Deus e fazendo com que a minha vida ganhe novos sentidos", afirma à coluna.

Nascido na pernambucana Salgueiro e criado entre Parnamirim (PE) e Fortaleza, o ator de 31 anos atualmente mora em São Paulo, mas passou o último ano dividido entre o Rio de Janeiro e o Mato Grosso do Sul gravando o remake do folhetim dos anos 1990. A empreitada bateu recordes de audiência na TV e causou frisson nas redes.

Entre as primeiras leituras de roteiro e o desfecho da trama na sexta-feira (7), nas contas de Jesuita foram 17 meses vivendo como o protagonista Jove —a relação mais longeva de sua carreira até aqui. "É uma partilha de bens", diz, ao falar da separação que se coloca entre os dois a partir de agora. "Há muitos entendimentos conscientes ou inconscientes da personagem que acabam ficando na gente, e só daqui a algum tempo eu vou entender."

O ator conversou com a coluna há uma semana, por videoconferência, durante aquele que seria o último dia de gravação da novela. Para além do desempenho da trama em termos de audiência e das discussões contemporâneas que pautou, ele se diz orgulhoso da relação gestada entre o elenco. Cenas da vida real em que os atores tomavam banho de rio, dançavam, faziam topless e tocavam violão juntos preencheram os perfis dos artistas nos últimos meses.

O ator Jesuita Barbosa, em ensaio fotográfico de março deste ano - Mariana Maltoni/Divulgação

"Me sinto muito orgulhoso de entender que a gente pode fazer um projeto dar certo a partir da boa convivência entre as pessoas. A gente conseguiu se amparar", afirma Jesuita. "Tem um clima leve no set, as pessoas gostam de fazer cena, gostam de compartilhar, gostam de ficar juntas", continua. "É uma questão que a humanidade precisa entender melhor. A gente tem criado conexões e formas de dialogar que são muito pautadas no celular, nas mídias digitais. Se isso é bom ou ruim, a gente tem que eleger."

O início do ator em "Pantanal" foi marcado por certa resistência por parte do público contra o seu personagem. Jove deu as caras como um cosmopolita vegetariano que se aventurou no bioma pantaneiro enquanto tentava se aproximar do pai, o fazendeiro Zé Leôncio (Marcos Palmeira). Memes não faltaram. Em abril deste ano, Jesuita afirmou à Folha ter se sentido "apedrejado" com a repercussão. "Mas eu gosto de crítica ruim também, é instigante para a gente", disse, na ocasião.

"Ali no início existia uma birra por parte dele, a maturidade ainda não estava aflorada", explica o ator. Ele afirma ter sentido uma rejeição maior vinda do público jovem. "A gente tende a não gostar quando se vê de uma forma muito escancarada, e acho que o público jovem conseguiu se enxergar ali. Depois ele [Jove] vai ganhando maturidade, vai se entendendo, vai conseguindo se colocar no mundo."

Após a experiência de protagonizar uma novela das nove como o par de Juma Marruá, o ator pernambucano se diz contente por integrar uma "nova estética" que, segundo ele, brinca com o papel de galã que costuma ser esperado.

"Galã é um termo que está caindo em desuso", pontua. "O galã está muito vinculado à ideia de uma possível relação, e principalmente com uma mulher. Quando você vê um galã com a possibilidade de ficar com uma pessoa do mesmo sexo, parece que esse termo não pode existir" —Jesuita não costuma rotular publicamente a sua orientação sexual, mas se relaciona com homens.

"Acho que [esse novo galã de novela] se desconstrói não somente pela imagem, pelo desenho visual do que é a beleza de um homem, que é muito relativa, mas principalmente porque as ideias da figura que está ali, tanto do ator quanto da personagem, divergem muito desse lugar datado de galã", continua.

Outro ganho que ele diz ver com "Pantanal" foi a erotização do corpo masculino, simbolizada nas figuras dos peões. "Eu, particularmente, gosto muito", diz, gargalhando.

"Os homens aparecem muito mais sexualizados, numa potência sexual mais definida do que as mulheres. E eu acho que elas aparecem com uma força, a partir da história da Maria [Bruaca] e da Juma, de dizer o que querem fazer, quando querem fazer, o que não querem fazer", explica. "Tem uma importância sobre gênero que foi bonito de discutir."

Jesuita Barbosa se viu atuando pela primeira vez ainda criança, aos sete anos de idade. Seu primeiro papel foi o de um anjo, interpretado no altar de uma igreja da cidade de Parnamirim.

"De repente olhei aquela multidão e fiquei com muito medo. Acho que fiquei assustado com a importância do que poderia ser aquilo. Esqueci todas as frases", relembra, rindo. Foi graças a um padre jesuíta que conseguiu fazer a apresentação. "O jesuíta ajudou o outro Jesuita", brinca.

O ator Jesuita Barbosa, em ensaio fotográfico de março deste ano - Mariana Maltoni/Divulgação

"Fui falando [as frases da apresentação] junto com o padre. Depois, minha avó me deu um puxão de orelha [risos]. Mas foi o início de algo. Ainda que calado, sem conseguir expressar verbalmente, eu compreendi fisicamente e inconscientemente alguma coisa."

Não só a igreja deu a ele o primeiro papel como também o nome de batismo, que herdou do avô. "Ele contou que a mãe dele era muito religiosa, então saiu colocando vários nomes da Bíblia nos filhos. Uma hora acabaram os nomes da Bíblia, e ela colocou Jesuita."

"Acho que a religião é um processo de conexão com o divino, de você conseguir criar uma comunhão com o mistério", afirma o ator sobre a sua relação com a religiosidade hoje. "Quando a gente faz um trabalho grande como esse ["Pantanal"], recheado de histórias, de psicologismos, ele abre para nós que fazemos arte, e para quem assiste também, a possibilidade de entender o divino", continua.

"Essa obra fala muito sobre a ligação divina com a natureza. E a natureza que eu digo é a nossa, não somente a que vem do mato. A gente acabou dividindo o que é natural do que é natureza externa. Temos que trazer essa comunhão para a cidade, esse novo entendimento de Deus, senão a gente fica num processo historicamente muito defasado sobre o que é o divino."

"Agora eu quero me reconectar. Depois de ter passado por esse processo [da novela], vai levar um tempo para entender tudo isso. E é por isso que eu quero ficar recluso, para conseguir entender o que é Deus novamente", emenda o ator.

Filho de mãe artista —ela canta, faz covers e desenha— e de pai delegado, Jesuita Barbosa diz que encontrou em seu núcleo familiar apoio e resistência, duas forças ambivalentes, em relação à sua escolha pelas artes cênicas. "Apoio e resistência são dois lugares próximos. Acho que a resistência também é uma necessidade para que a gente consiga projetar a nossa força."

"Tive muito apoio da parte da minha mãe, que sempre gostou, sempre teve uma veia artística, um olhar mais aberto para o que é a produção da arte musical, da arte cênica, e uma resistência do meu pai."

"Mas eu sempre fui muito corajoso nas coisas que eu fazia, sempre tive muito pulso firme para o que eu queria fazer. Partiu muito de mim, principalmente, essa força. Mais do que do meu pai e da minha mãe. Eu tinha uma crença muito forte, e espero ainda ter, em mim mesmo."

"Hoje eu queria saber mais sobre o meu pai. Por enquanto, não sei muito", diz sobre a sua relação com a figura paterna atualmente.

O ator Jesuita Barbosa, em ensaio fotográfico de março deste ano - Mariana Maltoni/Divulgação

Na sexta-feira (7), o ator estreou no longa "A Filha do Palhaço", dirigido por Pedro Diógenes. O filme foi selecionado para a 32ª edição do Cine Ceará — Festival Ibero-Americano de Cinema, que exibirá produções locais, nacionais e internacionais ao longo dos próximos dias. "Estou animado com esse filme por ser um projeto pequeno, mas feito com as pessoas dali", afirma.

"É uma história sobre um animador de festas que tem uma personagem e, de repente, descobre uma filha. Acho que o filme fala muito sobre os amores dessa pessoa e a dificuldade dele de se encontrar no mundo. É uma ficção que tem uma gama toda de realidades possíveis."

Para estas eleições, o ator afirma querer ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser eleito novamente. "É uma pessoa que tem consciência do que é uma revolução social, do que é fazer uma divisão de capital, de conseguir cuidar das pessoas que precisam."

"A nossa necessidade maior é entender que um país se faz com toda a população, que a gente não pode colocar a renda somente num grupo pequeno, porque isso não faz bem nem para esse grupo nem para o restante do país", diz ele.

Após a realização do primeiro turno no último domingo (2), o ator afirmou à coluna ter se surpreendido com a "onda bolsonarista" consagrada pelas urnas para cargos no Senado e nos governos estaduais. "Fiquei assustado mesmo."

"Ele [o presidente Jair Bolsonaro, do PL] conseguiu criar esse retrocesso que vai levar um tempo para a gente recuperar. Mas nada é para sempre."

"Essa maré [progressista] deu um recuo, e acho que ela vai também para frente agora. A gente vai ter mais impulso, mais gana para fazer acontecer, tendo agora um grande presidente a frente do país, uma pessoa que merece estar ali", diz, apostando na eleição do adversário do mandatário.

O contraponto expressado por Jesuita à gestão bolsonarista se fez presente também nas telas da TV Globo. Como mostrou a coluna, o autor Bruno Luperi fez uma alteração em uma cena do último capítulo da novela "Pantanal".

Na versão de 1990, escrita por seu avô Benedito Ruy Barbosa, os filhos de José Leôncio davam uma salva de tiros durante o velório do fazendeiro. Já em 2022, em vez de disparos, Jove, Tadeu (José Loreto) e José Lucas de Nada (Irandhir Santos) tocaram berrantes na despedida do pai. "Fiquei feliz com essa cena [do velório]. Ficou tão bonita."

A sugestão da alteração foi feita pelo ator Irandhir Santos, no intuito de ser um contraponto à ampliação do acesso a armas de fogo empreendida pelo atual presidente da República. "A gente estava antenado para não colocar [na novela] essa defesa armamentista a que esse governo do Bolsonaro se propôs", afirma Jesuita.

"Sempre mostramos a arma como uma não necessidade, discutindo como resolver as coisas sem precisar estar armado. E revelando como a arma pode ser um objeto de risco em potencial tanto para quem está armado quanto para quem não está. Seu uso vai gerar uma violência, alguém vai morrer ou sair ferido. Não faz o menor sentido."

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