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Televisão

'Pantanal' ressuscita o novelão, mas pode ser a última da espécie

Audiência cresce sem parar, mas será difícil no futuro conseguir uma produção com orçamento tão astronômico quanto esta

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Ainda não se passou um terço de 2022 e a Globo já emplacou um fenômeno que vai entrar para a história da TV brasileira: o remake de "Pantanal". Anunciada há cerca de dois anos, a novela finalmente estreou no final de março e, até o momento, vem superando as expectativas da emissora.

Além do aplauso praticamente unânime da crítica, "Pantanal" tem alcançado até 30 pontos de audiência na Grande São Paulo e 46% de participação entre os televisores ligados (o chamado "share"). No Rio de Janeiro, os números são ainda maiores: 33 pontos, com 51% de share.

Alcides (Juliano Cazarré) confronta Jove (Jesuíta Barbosa) sobre aproximação com Guta (Julia Dalavia) em cena do remake de 'Pantanal', na Globo - João Miguel Júnior 2022/Globo

A última vez em que a Globo atingiu tais marcas foi com o último capítulo da "edição especial" de "Império", exibida em 2021. Mas tratava-se de uma reprise: a mais recente trama inédita da faixa das 21 horas, "Um Lugar ao Sol", patinava em torno dos 20 pontos de audiência.

Tamanho sucesso tem feito com que alguns digam que "Pantanal" representa, nada menos, do que a ressurreição do gênero novela. Tida como ferida de morte pelas séries e incapaz de suscitar o interesse das novas gerações, a novela parecia destinada a se tornar um produto de nicho, depois de mais de 60 anos como o carro-chefe da nossa TV.

"Pantanal", no entanto, não chega a ser uma reinvenção. Na verdade, em termos dramatúrgicos, é um retrocesso. Um novelão à moda antiga, com mocinhos e vilões bem definidos, e uma trama que caminha (ainda que lentamente) em linha reta. Pudera: a versão original foi escrita por Benedito Ruy Barbosa em 1990, antes da chegada da TV paga ao Brasil.

A nova versão está a cargo de seu neto Bruno Luperi, que vem atualizando a trama e eliminando as referências datadas. Agora há personagens gays, algo que nunca interessou a Ruy Barbosa, e ninguém mais fala da hiperinflação dos anos Collor.

Mesmo assim, algumas coisas soam fora de época. Na primeira fase, por exemplo, o rude fazendeiro José Leôncio, feito por Renato Góes, conhece a jovem Madeleine, papel de Bruna Linzmeyer, num restaurante no Rio de Janeiro. A atração mútua é irresistível e os dois passam a noite juntos.

No dia seguinte, ao levar a moça para casa, Leôncio avisa os pais dela que eles irão se casar, para preservar a honra da amada. Na versão atual, esta fase se passa no início da década de 1990, quando uma atitude dessas já estaria ultrapassada.

A nova "Pantanal" também preserva o ritmo lento de sua antecessora. Temeu-se que isto afugentaria a garotada acostumada ao frenesi das séries do streaming. Não é o que parece estar acontecendo, já que a audiência vem crescendo a cada semana.

Essa mesma garotada também vem sendo apresentada a signos do Brasil profundo, assim como aos códigos do chamado novelão. De fato, há um sentimento épico nas novelas —especialmente nas de Benedito Ruy Barbosa— que as séries contemporâneas nem sonham em ter.

Já faz algum tempo que o desempenho de um folhetim não é medido apenas pelo Ibope, mas também pela repercussão nas redes sociais. Também neste quesito, "Pantanal" vem fazendo bonito. É sempre um dos assuntos mais comentados enquanto está no ar, e esses comentários são para lá de positivos.

Trata-se, em resumo, da novela de maior impacto desde "Avenida Brasil", de uma década atrás. Uma trama clássica, sólida, contada sem firulas nem maiores pretensões, mas com um apuro técnico que transforma algumas tomadas aéreas em obras de arte. Também é um início auspicioso para a gestão de Ricardo Waddington como diretor de entretenimento da Globo.

Por outro lado, "Pantanal" pode ser o canto do cisne das novelas. Pelo menos, das novelas tais como as conhecemos na TV aberta, com mais de uma centena de capítulos, elenco numeroso e diversas subtramas.

Isto porque esta nova versão traz elementos que dificilmente serão reunidos de novo. Um roteiro tradicional, muito bem urdido, mas sem inovações; uma locação espetacular, que serve de descanso para os olhos; e um orçamento astronômico, que dificilmente a Globo estará disposta a gastar em outras produções.

A emissora está consciente disto, tanto que não colocou todos seus ovos numa mesma cesta. A próxima novela de João Emanuel Carneiro, "Olho por Olho", antes prevista para o canal aberto, agora terá apenas 70 capítulos e estreará primeiro na plataforma Globoplay.

Também há o projeto de se dar carta branca a alguns autores, para que eles se arrisquem por tramas inusitadas sem o compromisso com a audiência num primeiro momento. Agora, se essas tramas ainda serão consideradas novelas, só o tempo dirá.

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