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Quilombolas recebem desculpas do Brasil com otimismo, mas dizem que incertezas permanecem

Entidades expressam frustração e afirmam que reconhecimento se deu de forma vaga

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Movimentos sociais, entidades e sindicatos que representam os interesses das populações quilombolas maranhenses afetadas pela construção da base de Alcântara, na região metropolitana de São Luís, afirmam que o pedido de desculpas feito pelo Estado brasileiro na quinta-feira (27) foi recebido com otimismo, mas abriu margem para incertezas e não trouxe soluções concretas aguardadas há décadas.

Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Brasil reconheceu que falhas no processo de titulação territorial e a ausência de proteção judicial efetiva durante a construção da base para lançamento de foguetes, ocorrida na ditadura militar (1964-1985), sujeitou as comunidades quilombolas a prolongada insegurança jurídica territorial.

Base para lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão - Adriano Machado - 14.set.2018/Reuters

Além do pedido público de desculpas feito pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, o Estado anunciou a formação de um grupo de trabalho para analisar a situação das comunidades da região.

Na avaliação dos representantes dos quilombolas, no entanto, o pedido de perdão teria sido pensado mais para fins políticos e de divulgação do que para a atender às demandas das comunidades, de fato.

"Não basta que o Estado diga que vai pedir desculpas. Ele deve também ouvir as comunidades sobre o que elas consideram suficiente e adequado em termos de formalização e publicização deste pedido", afirmam, em nota, o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe), a Justiça Global, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (Momtra), o Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e a Associação do Território Étnico Quilombola de Alcântara (Atequila).

Os signatários do documento criticam, por exemplo, o fato de o Estado brasileiro afirmar que haverá uma "titulação progressiva no prazo de dois anos" do território reivindicado, sem antes definir a extensão ou a localização das terras contempladas nem a forma como ocorrerá esse tipo de procedimento.

O grupo de trabalho criado para a tarefa da titulação e para conciliar as demandas dos quilombolas com o desenvolvimento do programa espacial brasileiro também contrariou as expectativas. De acordo com os movimentos, entidades e sindicatos, não houve qualquer consulta às comunidades a respeito do funcionamento do colegiado.

"Causa frustração que o reconhecimento do direito à titulação venha completamente esvaziado de conteúdo efetivo. Na melhor das hipóteses, apontou-se a predisposição de alcançar soluções mediadas — um caminho já trilhado nestas quatro décadas de luta", afirmam, em nota.

"Causa, ainda, grande preocupação que a arena conciliatória proposta pelo Estado seja um grupo de trabalho cuja composição não confere paridade às representantes das comunidades de Alcântara, ou respeita suas formas associativas", continuam.

Para os signatários, o pedido de desculpas apresentado durante o julgamento na CIDH ainda foi marcado por incertezas e "palavras vagas", o que manteria o futuro de Alcântara em uma situação de "grande insegurança institucional".

"Em meio à tamanha indefinição sobre o alcance da boa-fé do Estado brasileiro, o sentimento de vitória tornou-se nublado. As comunidades de Alcântara querem crer que estão diante, efetivamente, de um passo rumo ao futuro —mesmo que tudo pareça, de algum modo, repetir as fórmulas do passado", diz o documento.

O caso de Alcântara marcou a primeira vez na história em que o Brasil foi julgado por violar direitos de quilombolas. Inaugurada em 1983 e construída pela Força Aérea Brasileira, a base se tornou alvo de denúncias por ter removido diversas comunidades quilombolas de suas áreas de origem.

Em 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, outro órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos), concluiu que o Estado brasileiro afetou "o patrimônio coletivo de 152 comunidades quilombolas em razão da falta de emissão de títulos de propriedade de suas terras, da instalação de uma base aeroespacial sem a devida consulta e consentimento prévio, da desapropriação de suas terras e territórios e da falta de recursos judiciais para remediar tal situação".

Além do pedido público de desculpas, os quilombolas reivindicam, há décadas, a titulação do território —processo que desde 2008 está paralisado—, a indenização às comunidades e o fim da expansão da base de Alcântara.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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