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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'As pessoas têm dificuldade de ouvir um disco inteiro', diz Pitty

Cantora, que se apresenta no Festival Turá neste domingo (25), em SP, comenta mudanças no mercado musical, conversa sobre maternidade e fala sobre política e polarização

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Quem digitar "roqueira baiana" no site de pesquisas Google vai se deparar com uma foto da cantora Priscilla Novaes Leone, mais conhecida como Pitty, no início da carreira. O estereótipo nasceu quando ela estourou no cenário nacional há 20 anos, com o seu disco de estreia "Admirável Chip Novo". "Todas as matérias sobre mim na imprensa saiam assim. Até brincava e dizia que estaria escrito na minha lápide: ‘Roqueira baiana’", diz, entre risos. "Pensava: ‘Gente, é mais [do que isso]’."

Aos 42 anos, Pitty afirma que tudo era mais rígido naquela época. "Você era isso ou aquilo. Havia uma dicotomia", descreve a cantora em entrevista à coluna. "Hoje, não. Acho que essa nova geração entende mais essa fluidez e permeabilidade. Nós podemos ser muitas coisas, isso não anula a sua identidade. Só soma."

A cantora Pitty - Lucca Miranda/Divulgação

"Acho que hoje fica mais claro para as pessoas sacarem. Já tive a oportunidade de transitar por vários estilos musicais, de fincar o pé e falar: ‘Ó, tem isso aqui também’. Já até cantei samba com o Marcelo D2 no DVD do Martinho da Vila."

Pitty sobe ao palco do Festival Turá, em São Paulo, neste domingo (25). A cantora vai apresentar o show da turnê em comemoração às duas décadas do seu álbum primogênito. O trabalho foi um marco para a geração que cresceu no Brasil nos anos 2000 e colocou a baiana no mapa do rock.

A apresentação terá participações especiais da cantora Céu e do rapper Marcelo D2. A escolha, diz, foi baseada em "muito afeto, muita admiração e muita liga", mas também pela versatilidade dos colegas. "Nós três temos essa característica. Nenhum deixa de ter a sua identidade, mas a gente consegue transitar por outros estilos musicais."

A cantora afirma que faz questão de participar de cada detalhe e de todo o processo criativo de suas turnês. "Hoje, o show é uma experiência", segue. "O palco [da apresentação do primeiro disco] foi montado para transmitir um pouco de como a gente se comunicava naquela época. Optei por usar mais áudio do que vídeos nas transições [entre as músicas]. E, cenograficamente, quis trazer mais tecido e coisas físicas do que telas."

Ao revisitar o trabalho 20 anos depois, Pitty diz que as músicas continuam atuais e que não sentiu necessidade de atualizar nenhuma letra. "Quando eu fui pegar as canções desse disco que eu já não toco há um tempo, não tive nenhuma sensação esquisita ao cantá-las. Elas continuam fazendo muito sentido. Algumas até dialogam mais com o contexto que a gente está vivendo agora do que quando saíram."

"Há músicas que falam sobre as relações humanas junto com a tecnologia e todas as ferramentas de controle. Tudo isso tomou uma outra proporção. A gente falava sobre isso, mas não tinha rede social. É doido pensar sobre o papel dos algoritmos hoje."

Questionada se ela se sente pressionada pelo cenário musical atual de hits, dancinhas e viralização, Pitty diz que sempre "teve como máxima" entender como o mercado se comporta. Mas isso não significa seguir toda tendência. "Não estou querendo cagar regra, mas eu estaria simplesmente correndo atrás de agradar [os outros]. Para mim, a arte está ligada a uma outra situação de criação."

"Acho que existe uma dificuldade grande das pessoas ouvirem um disco inteiro, ou até mesmo uma música, porque está tudo muito rápido. As coisas acontecem em 30 segundos. Fico imaginando como é para um artista hoje se lançar e se estabelecer. Como é que você vai ter um repertório consistente para sustentar duas horas de show?", questiona.

"A gente vai observar no futuro como é que isso vai ser refletido. Hoje, quantos artistas você sabe o nome, porque a pessoa tem uma questão midiática, mas você não sabe dizer uma canção."

Ela celebra, porém, a diversidade no cenário musical atual e diz que "está sempre tentando sacar o que está sendo feito". "Eu vejo essa coisa a fluidez. Os festivais estão trazendo isso. Você tem vários estilos no mesmo dia, desde MPB até rock e eletrônico, e o público é capaz de absorver tudo."

Pitty diz que sempre tentou tirar a atenção "de sua persona" —e que já foi mal interpretada por isso. "Minha sustentação sempre foi a música. E 20 anos depois isso se mostra real porque tem um alicerce. Valeu a pena bater o pé nessa construção." Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.

ROCK N’ ROLL

Desde que eu me conheço por gente decretam a morte do rock. Mal sabem que o rock se modifica, troca de pele, assim como David Bowie, como um camaleão, ele se reapresenta de diversas formas.

Pensando de forma mais pragmática, houve sim, acredito que de dois anos para cá, uma redescoberta dessa nova geração sobre o rock. Tanto é que as pessoas voltaram a falar do emo [estética que marcou a juventude do começo do século e agora é revisitada]. E muitos artistas emergentes colocaram essa influência em suas obras.

Costumo pensar que o rock é a pedra, é o rígido. O roll é o sinuoso. É a parte que flui. Hoje, me sinto mais conectada com o roll que é a coisa da do movimento. Ele vai se transmutando. Quem não percebe isso fica preso naquela coisa enlatada.

CONSERVADORISMO

Eu me sinto muito mais pertencente a essa geração de hoje, do que a outras, ou a essa [do rock] que ficou desse jeito [conservadora]. Acho que é um pouco de medo de perder espaço, de ver o mundo mudar e de achar que tudo tem que permanecer exatamente do jeito que ele conhece.

A pessoa não sabe transitar nesse novo mundo, então é melhor que as coisas fiquem do jeito que sempre foram. E, de novo, eu volto nessa coisa de saber fluir. Eu já nasci assim e acho que vou continuar.

ELEIÇÕES

Eu acho que a gente não podia correr o risco de ficar isento, fingir que nada estava acontecendo e ser, aí sim, cúmplice e conivente com situações completamente antidemocráticas e absurdas. Não se manifestar em relação a isso é uma coisa que eu jamais poderia fazer. Acho que, sim, é papel de quem tem um microfone na mão [se posicionar], mas não só. É também dos cidadãos. Somos seres políticos.

BRASIL DIVIDIDO

A gente passou por um período de uma polarização muito grande. Por mais que pareça que a gente adquiriu uma consciência política, eu não sei se a polarização significa consciência política. Acho que ela significa uma ruptura de diálogo. E isso é ruim. Agora, é tentar chegar um mais perto um do outro. É óbvio que não dá para você ser tolerante com preconceitos e desrespeitos básicos, isso não há discussão, mas todo o resto a gente debate.

A cantora Pitty - Lucca Miranda/Divulgação

CULTURA

Eu vejo essa volta do Ministério da Cultura com muita felicidade. Cultura é arte, é valor. Não cuidar disso é exterminar o passado. Nos últimos anos esse valor foi desmerecido, tido como uma coisa menor.

Tipo: "O que importa é trabalhar, ganhar dinheiro". Isso é importante, mas e o que é o subjetivo? Porque tem um bonequinho da sociedade que dorme, acorda, ganha dinheiro. E tem a pessoa que precisa pensar, ter espaço para refletir, olhar a si mesmo e ao outro. A arte tem esse papel de transformar a pessoa em ser humano. Tirar isso é desumanizar —e foi o que aconteceu nos últimos tempos.

MATERNIDADE

Rapaz, criar filho é o maior desafio da vida [Pitty é mãe de Madalena, de seis anos, fruto de seu relacionamento com o músico Daniel Weksler]. Depois que eu descobri que eu ia ser mãe de uma mulher, venho tentando pavimentar um caminho que seja mais gentil, livre e seguro para para ela e para todas as meninas dessa geração que estão chegando. Eu acho que ela [Madalena] já tem bastante disso, pela criação e pelo convívio em casa.

Ela começou a entender [a questão da fama] agora, na volta da pandemia. Mas quando ela vem com esse papo de "mamãe, não sei quem falou que você é famosa", tento trazer questionamentos, do que significa ser famoso.

Eu explico que eu tenho um trabalho e, através dele, as pessoas conhecem e gostam das minhas músicas, se identificam, e é por isso que me conhecem. Tento tirar esse rolê da fama pela fama. Porque o que é ser famoso? É tão vazio. Hoje em dia a gente vive nessa época de famosos, celebridades, pelo que exatamente?

ZEBRA

Estou muito grata por esses 20 anos, porque, de novo, viver de arte no Brasil já é uma vitória. Não deveria, mas é. Uma menina do Nordeste, baiana, cantora de rock, nesse meio tão masculino. Olhando para trás, penso: "Cara, tinha tudo para dar zebra" [risos]. Acho que eu vivi muitas vidas. Estou vivendo mais uma vida agora, dessa mulher que continua no palco e que agora também é mãe, mas consegue se comunicar e ser artista. E dialogar com o público de um jeito mais livre, sentindo que está sendo compreendida.

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