Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Folhajus Congresso Nacional

Domínio parlamentar sobre o STF é esdrúxulo, arbitrário e inconstitucional, diz Celso de Mello

Ex-decano do Supremo diz que autonomia da corte é protegida por cláusula pétrea da Constituição

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O ex-ministro do STF Celso de Mello diz que a PEC que restringe decisões monocráticas da corte é "frontalmente incompatível com a Constituição" ao interferir na "autonomia interna" do tribunal.

Ao ser questionado pela coluna sobre o assunto, o ex-decano do STF encaminhou um texto, em que diz também que a PEC "transgrediu cláusula pétrea que protege a separação dos poderes".

Ministro Celso de Mello
O ministro aposentado do STF Celso de Mello - Carlos Moura - 7.out.20/STF

A medida que limita as decisões individuais dos integrantes do Supremo foi aprovada no Senado na quarta (22), com 52 votos a 18, de 49 que eram necessários. O texto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente da República para começar a valer.

"O regimento interno do tribunal extrai a sua força imperativa, a sua legitimidade jurídica e a sua autoridade do próprio texto constitucional, circunstância que lhe confere imunidade contra qualquer tentativa de ingerência normativa do poder Legislativo nas matérias sob 'reserva constitucional de regimento', como adverte a jurisprudência do STF", afirma Celso de Mello.

O ex-ministro acrescenta que, mesmo que a PEC seja uma emenda à Constituição, o Congresso Nacional sofre limitações que o impedem de "regular matérias pertinentes ao funcionamento do STF".

"A transgressão congressional a essas limitações —além de configurar esdrúxula hipótese de arbitrária (e inconcebível) dominação parlamentar sobre o Supremo Tribunal Federal— também importará em grave ofensa a cláusulas pétreas (que protegem o núcleo irreformável da Constituição ) e traduzirá situação caracterizadora de vício radical de inconstitucionalidade!!!", argumenta o ex-decano.

Celso de Mello destaca também que no sistema jurídico brasileiro "'o monopólio da última palavra'" em matéria de interpretação da Constituição da República pertence, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal."

"Em suma: poder reformador do Congresso Nacional não autoriza nem legitima o desrespeito às cláusulas pétreas ou cláusulas de salvaguarda do núcleo irreformável da Constituição da República!", afirma.

Leia, abaixo, a íntegra do texto de Celso de Mello:

"A matéria versada na PEC 8/2021 revela-se frontalmente incompatível com a Constituição da República, pois, ao interferir na autonomia interna do Supremo Tribunal Federal, usurpando-lhe competência normativa que foi outorgada à corte com exclusividade pelo texto constitucional, transgrediu cláusula pétrea que protege o dogma da separação de poderes, que traduz núcleo temático irreformável instituído pela Carta Política!

A outorga constitucional do poder de regular 'o que ocorre e o que se processa portas a dentro do Tribunal' (ministro Mário Guimarães) impede a indevida intrusão do poder Legislativo em tais matérias!

O regimento interno do Tribunal extrai a sua força imperativa, a sua legitimidade jurídica e a sua autoridade do próprio texto constitucional, circunstância que lhe confere imunidade contra qualquer tentativa de ingerência normativa do Poder Legislativo nas matérias sob 'reserva constitucional de regimento', como adverte a jurisprudência do STF e ensinam doutrinadores eminentes como José Frederico Marques, Mário Guimarães, Themístocles Brandäo Cavalcanti e Pontes de Miranda, este em lição na qual enfatiza, sempre na perspectiva da separação de poderes, que a outorga de competência para elaborar e votar o regimento interno representa um dos elementos vitais de independência do poder Judiciário!

Finalmente, não se sustente, por inadmissível, que, mediante emenda constitucional, tornar-se-ia lícito ao Congresso Nacional interferir na intimidade do STF, para usurpar-lhe a prerrogativa (protegida pela cláusula pétrea da separação de poderes) de imiscuir-se em temas sujeitos à 'reserva constitucional de regimento'.

Não constitui demasia relembrar, neste ponto, que mesmo emendas à Constituição, como a que pode resultar da PEC 8/2021, por ofenderem categorias temáticas protegidas por cláusulas pétreas como a autonomia institucional dos Tribunais , a reserva constitucional de regimento e o dogma da separação de poderes , qualificam-se como atos eivados do vício insanável da ilegitimidade constitucional , como reiteradamente tem decidido o Supremo Tribunal Federal (ADI 466/DF — ADI 926/DF — ADIN 939/DF , v.g.) !

Vê-se, portanto, que , mesmo valendo-se de emenda à Constituição, o Congresso Nacional sofre limitações materiais explícitas que lhe restringem, por soberana imposição do poder constituinte originário, a competência para reformar o texto constitucional, interditando-lhe, ainda que por esse meio (emenda à Constituição) , a possibilidade de regular matérias pertinentes ao funcionamento do STF e a temas sujeitos ao exclusivo domínio normativo do regimento interno da Suprema Corte!

A transgressão congressional a essas limitações além de configurar esdrúxula hipótese de arbitrária (e inconcebível) dominação parlamentar sobre o Supremo Tribunal Federaltambém importará em grave ofensa a cláusulas pétreas (que protegem o núcleo irreformável da Constituição ) e traduzirá situação caracterizadora de vício radical de inconstitucionalidade!!!

Em suma: o poder reformador do Congresso Nacional não autoriza nem legitima o desrespeito às cláusulas pétreas ou cláusulas de salvaguarda do núcleo irreformável da Constituição da República!

Não se pode perder de vista, de outro lado, o fato de que, em nosso sistema jurídico, que consagra o postulado da democracia constitucional , 'o monopólio da última palavra' em matéria de interpretação da Constituição da República pertence , exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal , por efeito de expressa delegação que lhe foi outorgada por soberana deliberação da Assembleia Nacional Constituinte , circunstância que lhe confere a condição eminente de órgão de encerramento ('organo di chiusura') de todas as controvérsias constitucionais, por ser definitiva a decisão da Suprema Corte em tema que envolva a exegese da Lei Fundamental da República !

São essas as razões que me levam a considerar altamente questionável , sob perspectiva estritamente constitucional , a PEC 8/2021 , por pretender regular matérias protegidas por cláusula pétrea (separação de poderes) cuja razão de ser inibe e veda o exercício, pelo Congresso Nacional, do seu poder reformador ! "

(Celso de Mello, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal)


OLHO VIVO

O jurista, professor da USP e colunista da Folha Conrado Hübner Mendes recebeu convidados para o lançamento de seu mais novo livro, "O Discreto Charme da Magistocracia – Vícios e Disfarces do Judiciário Brasileiro" (Todavia), realizado na Faculdade de Direito da USP, na capital paulista, na noite de terça (21). A ex-vice-procuradora-geral da República Ela Wiecko e o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Luiz Philippe Vieira de Mello Filho participaram de um bate-papo sobre a obra.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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