Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Me ferrei, mas estou aqui. Não sou vítima de nada', diz Carlinhos Brown

Músico, que acaba de ter biografia lançada, afirma que não quer ser tratado como herói nem como vítima: 'A vida é dura para todo mundo'

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O cantor e compositor Carlinhos Brown

O cantor e compositor Carlinhos Brown Leo Aversa/Divulgação

Carlinhos Brown lançou "Alfagamebetizado", seu primeiro disco solo após o sucesso do Timbalada, em 1996. Mas, 27 anos depois, o músico diz acreditar que o Brasil "ainda não está preparado para escutá-lo". "E isso não é uma crítica nem é culpa de ninguém", afirma.

Para Carlinhos, o álbum é muito identificado com a cultura afrobrasileira e a miscigenação. E o país, por sua vez, "segue com questionamentos em relação a isso".

Mas Carlinhos Brown vai revisitar o trabalho no próximo dia 18 de novembro, quando se apresentará no Afropunk Bahia, em Salvador. Foram, aliás, os organizadores do festival que propuseram que ele cantasse "Alfagamebetizado".

A proposta do evento é justamente promover uma mistura de diferentes gêneros, sonoridades e gerações da música negra. Além de Carlinhos Brown, o evento reunirá Alcione, Iza, Majur, BaianaSystem, Olodum e Djonga, entre outros nomes.

É a segunda vez que o cantor e compositor participará do festival —a primeira foi em 2020, que teve de ser em formato online por causa da pandemia. Na ocasião, ele se apresentou com a cantora Larissa Luz.

"O Afropunk me realiza. Sinto como se fosse um florescer das minhas ideias adolescentes ao ver uma geração fazendo música com menos dificuldades do que as que eu enfrentei", diz ele.

A escolha do festival de celebrar o "Alfagamebetizado" é "inteligente", na visão de Carlinhos. Mesmo que a execução das músicas do álbum não seja das mais fáceis. "É um disco difícil, de harmonizações extremamente sofisticadas. Na época, eu parava por dez horas para descobrir um acorde no violão", comenta. "Agora não tenho mais esse tempo. Depois que você tem filhos, você não tem mais esse tempo", acrescenta ele, entre risos.

O cantor e compositor de 60 anos é pai de uma prole numerosa. São oito filhos: quatro do casamento com Helena Buarque —Francisco Brown, Clara Buarque, Cecília, e Leila; Nina e Miguel de outros relacionamentos; e Daniel e Maria Madah, frutos da sua relação com Danielle Barvanelle.

Carlinhos é conhecido por estar sempre em busca de inovações e experimentações sonoras. Para ele, essa é a função do artista. "Eu aprendi cedo que ser artista é arriscar-se. O artista escolhe o risco", diz. "O que a gente não pode é suplantar uma ideia de que somos melhores do que a arte. E uma forma de acolher a arte é buscar, é estudar. E é no experimento que eu vou encontrar a novidade", analisa.

O músico demonstra um certo ressentimento por uma falta de exaltação das sonoridades que ele apresentou em "Alfagamebetizado". Ele aponta que, embora o álbum tenha sido listado no livro "1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer", organizado por Robert Dimery a partir da opinião de jornalistas e críticos, "só [a faixa] 'A Namorada' soava bem para o Brasil".

"E, mesmo assim, com olhares de escárnios, porque era um grito de axé music", desabafa.

Apesar disso, Carlinhos afirma que o disco foi essencial para lhe dar confiança e um direcionamento de linguagem para outros trabalhos posteriores. Como exemplo, ele cita dois grandes hits que vieram depois: "Uma Brasileira", composição sua ao lado de Herbet Vianna, e "Amor, I Love You", parceria com Marisa Monte.

Quem quiser conhecer meu posicionamento político, vá ao meu bairro e procure saber as coisas que eu verdadeiramente faço. Eu não vou para a internet dizer que estou fazendo isso e aquilo. Porque na internet é fácil ser santo, ser bonitinho, ser gente boa

Carlinhos Brown

cantor e compositor

Sucessos estrondosos, aliás, não faltam na carreira de Carlinhos. Ele é compositor de fenômenos musicais, ainda que muitos deles sejam conhecidos na voz de outros artistas, como "Rapunzel", interpretada por Daniela Mercury, e "Cadê Dalila?", com Ivete Sangalo.

Questionado se não tem ciúmes de não ser reconhecido por muitas dessas canções, Carlinhos diz que não. "Quando eu vi que vários outros [compositores] também não eram, eu fiquei na minha. Essa é a cultura mainstream. Quem aparece é o intérprete", diz.

"E não precisa me conhecer não, desde que me pague os direitos autorais direitinho", afirma, em tom bem-humorado.

"Já me disseram que eu dou as minhas melhores músicas para os outros. É isso mesmo. O outro melhora a minha música com a sua interpretação. Nunca poderia ter ciúme disso. Ao contrário, eu gosto", afirma.

"Na verdade, eu tenho ciúme por não gravarem mais [as minhas músicas]."

Não à toa, "Meia Lua Inteira", outra composição sua, mas que muitos pensam ser de Caetano Veloso, foi escolhida para dar nome à biografia de Carlinhos, que foi lançada recentemente.

O livro, afirma o cantor e compositor, nasceu de um desejo seu de "contar algumas coisas". O volume é escrito por Julius Wiedemann.

Carlinhos nasceu e foi criado no Candeal, bairro periférico de Salvador. Teve uma infância pobre e só se alfabetizou por volta dos 14 anos. Mas afirma que não queria que a sua biografia trouxesse um "ar de herói", nem que fosse uma coisa chorosa do tipo "ah, me ferrei".

"A vida é dura para todo mundo", diz. "Me ferrei, mas estou aqui. Já foi. Eu nasci aqui justamente para ter essa expiação, para aprender isso. Não sou vítima de nada", diz. "Agora está tudo certo", completa.

No bairro em que cresceu, ele desenvolveu dois projetos, o Candeal Guetho Square, casa dos ensaios do Timbalada, e o centro educacional Pracatum.

Desde 2012, Carlinhos ampliou a sua atuação quando passou a ser técnico do reality The Voice, da Globo. Ali, na TV aberta e para todo o Brasil, o cantor e compositor afirma que conseguiu alcançar um outro público.

No programa, Carlinhos diz que age de forma transparente e com a mesma emoção que sente quando está tocando. "Quando você está tomado pela música, o pensamento é livre." "Tanto é assim que o conselho dado a todo músico que vai improvisar é: não pense, solte o que você estudou, deixe livre. Mesmo que você erre, você vai achar e dizer coisas muito mais bonitas."

O compositor lembra de uma apresentação durante o programa em que o candidato cantou "Travessia", de Milton Nascimento. Ele, então, discorreu sobre a letra da canção que fala de morte e de querer viver.

Depois que a edição foi ao ar, Carlinhos conta que encontrou uma pessoa no aeroporto que tinha depressão e que disse que a mensagem passada por ele naquele dia lhe fez bem.

"A música tem essa capacidade. É algo que pode dizer ao enfermo, à pessoa que está feliz, ao preso, a quem está casando, a quem está sendo batizado, a quem está sofrendo de amor."

Carlinhos diz ser um "inconformado" que está sempre em busca da felicidade. Não só a dele, mas também a dos outros. "Porque ser feliz sozinho é péssimo", afirma.

Após a entrevista com a coluna, a Globo anunciou o fim de todos os programas da franquia The Voice —uma ultima edição do reality será exibida ainda neste ano. Carlinhos também seguirá na TV em outra atração, mas no canal fechado Multishow, na plataforma de streaming Globoplay e na TV Bahia, afiliada da Globo no estado. Ele irá apresentar, a partir do próximo sábado (11), Timbrown, um reality show de percussão musical.

No ano passado, antes da eleição presidencial, o músico se envolveu em uma polêmica ao barrar uma manifestação contra o então presidente Jair Bolsonaro (PL) em um show seu. Após ser chamado de bolsonarista, Carlinhos disse, por meio de suas redes sociais, que apoiava Lula (PT).

Indagado sobre o assunto pela coluna, o cantor e compositor afirma que política tem que ser discutida com as pessoas sóbrias e, durante o evento, muito dos espectadores consumiam bebidas alcoólicas. Ele disse também que interrompeu a manifestação contra Bolsonaro para frear uma eventual confusão. "Já estava gerando um empurra-empurra. Depois ia ter briga e aí morre uma pessoa no show de Carlinhos Brown."

O músico afirma ainda que "se posicionar na internet é fácil". "Eu quero ver é se [posicionar] na vida", diz.

Eu aprendi cedo que ser artista é arriscar-se. O que a gente não pode é suplantar uma ideia de que somos melhores do que a arte

Carlinhos Brown

cantor e compositor

"Eu estou fazendo o meu show. Não quero nem Lula nem Bolsonaro atrapalhando. Não quero ninguém atrapalhando a minha música. O que eu quero é eles ajudando a minha comunidade."

"Quem quiser conhecer meu posicionamento político, vá ao meu bairro e procure saber as coisas que eu verdadeiramente faço. Eu não vou para a internet dizer que estou fazendo isso e aquilo. Porque na internet é fácil ser santo, ser bonitinho, ser gente boa."

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