Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'É fácil contracenar comigo porque sou muito aberta', diz Lilia Cabral

Ao lado de sua única filha, Giulia Bertolli, atriz grava, em Copacabana, o filme 'A Lista', baseado na peça de mesmo nome que mãe e filha apresentaram durante a pandemia, sem público, e depois rodou o Brasil em teatros lotados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A atriz Lilia Cabral e sua filha, a também atriz Giulia Bertolli, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro André Hawk/Divulgação

Rio de Janeiro

Não é a primeira vez que isso acontece na vida profissional da atriz paulistana Lilia Cabral, de um projeto começar despretensiosamente e ir ganhando lastro, até se desdobrar em outras plataformas e alcançar um público imenso.

Foi assim com a peça "O Divã", de 2010, baseada em um livro de Martha Medeiros, que Lilia apresentou no teatro, depois virou um filme de enorme sucesso, com Paulo Gustavo como o cabeleireiro da protagonista, e, mais tarde, ainda, uma minissérie na TV.

"Ela tem espírito de showrunner", diz o autor da peça e do roteiro do filme "A Lista", Gustavo Pinheiro. Dirigido por José Alvarenga Jr., o mesmo do filme "O Divã", "A Lista" vai juntar um time de veteranos em seu elenco. São nomes como Tony Ramos, Rosamaria Murtinho, Zezeh Barbosa, Betty Faria, Tony Tornado e Reginaldo Faria.

Mas não são apenas atores mais velhos que participam da trama. Além de Giulia Bertolli, sua filha, que tem 27 anos, Letícia Colin e Victor Britto também trabalham no longa-metragem, que começou a ser rodado no final de abril, em Copacabana, e tem mais três semanas de filmagens previstas.

A atriz Lilia Cabral e sua filha, a também atriz Giulia Bertolli, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro - André Hawk/Divulgação

"Showrunner" é um termo em inglês que não tem uma tradução exata para o português, usado principalmente em séries de TV, que significa a pessoa responsável por manter a coerência de um projeto com vários colaboradores. O manda-chuva da história.

No cinema, em geral o diretor tem essa função. Nas séries, o showrunner é quase sempre o criador do projeto e atua, no dia a dia, como o principal produtor-executivo, a quem todo mundo, inclusive os diretores, respondem.

No caso deste filme, ainda sem data de estreia prevista nem definição se irá para os cinemas ou direto para o streaming, o que Pinheiro quis dizer a respeito de Lilia Cabral é que ela leva seus projetos para frente, trabalha neles mais do que só como atriz, faz produção, apresentação e junta gente ao redor das histórias em que acredita.

Mas "A Lista" não foi uma ideia original dela, e, sim, de sua filha, Giulia Bertolli, ao lado do dramaturgo Gustavo Pinheiro. "Conheci o Gustavo na época em que fazia CAL (Casa das Artes de Laranjeiras, onde Giulia estudou atuação), e viramos amigos de teatro. Um ia prestigiar o outro quando estava em cartaz", lembra Bertolli.

"Um dia, eu ainda estava no elenco de 'Malhação', mandei uma mensagem para o Gustavo convidando para tomar um café e pedi para ele escrever alguma coisa para eu fazer com a minha mãe. Ela nem sabia disso", conta Giulia.

Era final de 2019. E a vida seguiu. Então, em março de 2020, veio a pandemia e o mundo parou. Giulia, que ainda morava com os pais nessa época, lembrou de novo do amigo dramaturgo. "Liguei para o Gustavo e disse: 'Sabe aquela peça que eu tinha te pedido? Agora a gente tem tempo'", ainda sem consultar a mãe.

Gustavo, que fazia as compras de supermercado para sua mãe durante a pandemia, estava intrigado com esse tema. Tinha ouvido de uma amiga que morava na Europa a reclamação de que ela havia se oferecido para fazer as compras de uma vizinha mais velha, mas, quando chegava para entregar as sacolas com frutas e legumes, só ouvia reclamações a respeito das escolhas que tinha feito, além de lamúrias de uma vida inteira.

"Lembro até hoje de dizer para a Giulia no telefone: 'Tenho essa ideia, você acha que sua mãe topa?'. Ela respondeu: 'Minha mãe está no banho, me dê cinco minutos'. E cinco minutos depois ela respondeu: 'Ela topa'. E aí eu tinha que escrever um texto para a Lilia Cabral. Foi surreal", conta o dramaturgo.

Muitas reuniões por Zoom depois, o texto ficou pronto. Tinha 45 minutos, e o tom variava entre o drama e a comédia. A peça foi apresentada em um teatro vazio e exibida também por Zoom, para quem se inscrevesse.

A iniciativa de voltar a fazer teatro, mesmo sem público, tinha partido da atriz Ana Beatriz Nogueira (da versão de 1991 do clássico "Matou a Família e Foi Ao Cinema"), como uma forma de arrecadar fundos para os profissionais dos bastidores dos teatros que estavam sem trabalhar e sem receber.

Muitos atores fizeram monólogos, já que ninguém queria se expor e encontrar outras pessoas àquela altura era um risco. Mas Lilia e Giulia estavam juntas desde o começo da pandemia, então tiveram o privilégio de poder contracenar, pela primeira vez na vida.

"Foi surpreendentemente fácil trabalhar com a minha mãe. A intimidade que a gente tem facilitou muito. E ela é uma atriz brilhante, né? Eu tinha que correr atrás, mas era muito tranquilo, gostoso, leve. Ela me dava muitas dicas e entendeu que eu tinha um tempo diferente do dela nos ensaios", diz Giulia.

"Eu resolvo minhas cenas de imediato, sempre fui assim", conta Lilia. "Parece que se eu não resolver de imediato, não vou fazer o personagem bem. Mas isso é o meu temperamento, a Giulia não é assim. Ela gosta de ler o texto, pensar a respeito, e no dia seguinte chega ao ensaio com uma proposta de como fazer a cena", conta a mãe.

A atriz Lilia Cabral e sua filha, a também atriz Giulia Bertolli, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro - André Hawk/Divulgação

"Minha mãe muda o texto todos os dias. Enquanto a gente estava em temporada, e foram nove meses em São Paulo e seis meses no Rio, ela fez um espetáculo diferente do outro", conta Giulia, com óbvia admiração. "Na verdade, não é que ela muda o texto, as palavras estão todas lá. Mas muda a modulação da voz, a intenção da personagem, o jeito de respirar. E viver isso junto com ela foi incrível, aprendi muito nesse processo."

"É fácil contracenar comigo porque na hora do jogo eu sou muito aberta", diz Lilia. "Eu me preparo muito, decoro o texto, me concentro desde que acordo, sei exatamente o que vou fazer na cena, mas quando chega o momento de contracenar, é como uma partida de tênis, são dois jogadores. As coisas acontecem de maneira inesperada, e você tem que resolver ali, na hora."

Na filmagem que a coluna acompanhou no dia 2 de maio, na fachada de um prédio art déco todo rosa em Copacabana, Lilia Cabral, como a personagem Laurita, a senhora que pede para a vizinha jovem fazer suas compras durante a pandemia, está chegando em casa ela mesma com as compras do dia. A cena se passa depois do fim da pandemia, e Laurita, de vestido amarelo, pede ajuda ao porteiro para botar suas compras no elevador.

Quando o diretor do filme, José Alvarenga Jr., grita "silêncio no set", Lilia interrompe uma história pessoal divertida que estava contando ao dramaturgo e roteirista Gustavo Pinheiro, muda completamente a expressão de seu rosto e vai para o lugar marcado para começar a cena.

"A gente tem que ser como um interruptor. Você liga, faz a cena, depois desliga e vai embora para casa, cuidar da vida", afirma a atriz. "Aprendi isso na escola [Lilia se formou na EAD, a Escola de Arte Dramática da USP]."

"Não fico tomada pela personagem, possuída, nada dessas coisas. Eu me preparo, me concentro, estudo o meu papel, penso no que vou fazer, mas entre uma cena e outra posso tomar um milkshake no camarim, conversar com os colegas, falar de outros assuntos, nada disso vai tirar a minha concentração nem me fazer esquecer de tudo que eu preparei", conta.

"Eu nunca me preocupei com a comparação que as pessoas vão fazer entre mim e a minha mãe porque isso é inevitável", diz Giulia. "Também nunca pensei 'vou dividir o palco com uma atriz muito consagrada, como é que vai ser?'."

"A minha mãe nunca se botou nesse lugar de grande atriz com nenhum colega. Ela sempre foi muito acolhedora, sempre deu oportunidade para artistas mais jovens, sempre abraçou, trouxe para perto. Eu vi isso acontecer em todas as novelas que ela fez, desde que eu me entendo por gente. E comigo não foi diferente."

A atriz Lilia Cabral e sua filha, a também atriz Giulia Bertolli, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro - André Hawk/Divulgação

O roteiro do filme diminuiu bastante a parte da pandemia e levou as duas protagonistas para o futuro, aprofundando o relacionamento delas e introduzindo vários outros personagens.

A primeira versão da peça, aquela de 45 minutos, apresentada no teatro sem público e transmitida por Zoom, era bem mais dramática que a versão final, com 1h20, que lotou os teatros de São Paulo e do Rio. Mas o tom geral da trama continua o mesmo, alternando momentos sérios, tristes, com outros muito divertidos.

"Só uma atriz como a Lilia Cabral consegue fazer uma transição imperceptível de uma cena profunda para uma que faz o público morrer de rir. Não é para todo mundo", afirma José Alvarenga.

"Lembro até hoje do primeiro espetáculo que fizemos com público, em 2022, em um teatro lotado, com mil lugares", diz Gustavo Pinheiro. "A gente ouvia as risadas do público, as risadas que a gente não tinha ideia se iam ou não acontecer porque nunca tinha tido gente na plateia. Era muito angustiante."

"Quando acabou o espetáculo e as cortinas se fecharam, eu estava na coxia, tinha assistido a peça de lá. Nunca vou esquecer da Lilia me olhando com aqueles olhos imensos, azuis, e me dizer, satisfeita: 'Temos um sucesso'."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.