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Justiça nega recurso de padre Lodi contra mulher que teve aborto impedido por ele

Caso ocorreu em 2005; Justiça já calculou indenização em mais de R$ 581 mil e ordenou penhora de associação antiaborto

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A Justiça de Goiás rejeitou um recurso apresentado pela Pró-Vida de Anápolis, associação antiaborto fundada e liderada pelo padre Luiz Carlos Lodi, que contestava a penhora de bens da entidade para indenizar uma mulher que teve uma interrupção da gestação impedida pelo pároco.

O caso ocorreu em 2005. Tatielle Gomes tinha 19 anos à época e estava grávida de um feto que recebeu o diagnóstico de síndrome de body stalk. A condição inviabilizava o desenvolvimento adequado de órgãos como pulmão e tórax e, consequentemente, a vida extrauterina.

O padre Luiz Carlos Lodi durante manifestação contra o aborto em Anápolis (GO), em 2023 - @providaanapolis no Instagram

Após obter uma autorização judicial, Tatielle e seu marido, José Ricardo Dias, deixaram o interior do estado goiano e buscaram atendimento no Hospital Materno Infantil de Goiânia, onde foi dado início ao procedimento para interromper a gestação que chegava ao quinto mês.

Luiz Carlos Lodi, contudo, obteve um habeas corpus "para garantir o direito natural ao nascimento com vida" do feto, impedindo o procedimento quando a jovem já estava tomando medicamentos para induzir o aborto. Nem ela nem o marido conheciam o padre.

Impossibilitada de ser atendida na instituição de saúde, Tatielle foi obrigada a retornar para sua casa com fortes dores, sangramento e três centímetros de dilatação. Onze dias após ter dado entrada no hospital de Goiânia e iniciar um doloroso trabalho de parto, deu à luz um feto que morreu logo em seguida.

A associação questionava o fato de a penhora considerar o ano de 2005, quando o episódio ocorreu, para fazer a atualização monetária da indenização e sugeriu que eventuais valores penhorados seriam usados em benefício de um suposto "fundo abortista".

Afirmou, ainda, que seus bens são destinados ao sustento de pessoas acolhidas pela associação, e que elas seriam as verdadeiras prejudicadas com a penhora.

A juíza Lívia Vaz da Silva, porém, concluiu que a associação antiaborto não comprovou que as verbas penhoradas são revertidas em prol de terceiros nem que são sua única reserva em dinheiro.

"Não restou comprovado nos autos que todas as quantias constritas são revertidas ao sustento de acolhidos, bem como não há prova de que tais valores são os únicos percebidos pela devedora", afirmou a magistrada da 4ª Unidade de Processamento Judicial do Tribunal de Justiça de Goiás.

Tatielle em cena do documentário "Habeas Corpus", de Debora Diniz e Ramon Navarro, que conta o seu sofrimento ao ter impedido um aborto autorizado pela Justiça - Reprodução/Reprodução

A juíza afirmou também que a indenização beneficiará exclusivamente o casal e disse que a correção monetária prevista está correta.

Vaz da Silva ainda destacou uma declaração pública em que padre Lodi dispensou o recebimento de doações para cumprir a decisão judicial. Segundo ela, é clara a intenção do fundador da Pró-Vida de não honrar com a indenização devida a Tatielle e a seu marido.

Disse Lodi em uma manifestação pública: "A conta do Pró-Vida está lá na página [...] e vocês tem acesso a ela tanto no Banco do Brasil quanto na Caixa Econômica Federal, de acordo com a facilidade de vocês para isso. Mas isso não vai ser usado para pagar os abortistas, tá?".

"Resta claro que, ao escolher quais doações receberá, de acordo com o propósito fim por ele destinado, e não de acordo com as necessidades básicas das pessoas acolhidas na instituição, o representante da devedora impõe a ideia de dispensa de ajuda", afirma a juíza.

Após anos de idas e vindas processuais, o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou, em 2020, uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que determinou o pagamento de R$ 398 mil em indenização a Tatielle e a seu marido.

Desde então, a condenação jamais foi cumprida. Nenhum patrimônio foi encontrado nas contas bancárias ou em posse do padre Lodi, embora fosse de amplo conhecimento que seu estilo de vida é incompatível com a de quem diz não ter nenhum tipo de renda.


DOCUMENTÁRIO CONTA A HISTÓRIA DE TATIELLE


A defesa dela, então, solicitou à Justiça que o patrimônio da associação fosse usado para pagar a indenização, apontando que o padre buscava se esquivar da responsabilidade e que usava os bens da Pró-Vida em benefício próprio.

Em novembro do ano passado, o pedido foi atendido por unanimidade pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás. O valor da indenização é de R$ 581.123,35, segundo correção monetária calculada pelo próprio Tribunal de Justiça à época.

Em março deste ano, a Justiça de Goiás determinou o bloqueio e a busca de bens da associação de Anápolis. Por ora, apenas cerca de R$ 10 mil foram localizados.

Caso a Pró-Vida não tenha dinheiro em conta, imóveis, automóveis e qualquer outro tipo de bem poderão ser bloqueados e eventualmente ir a leilão a fim de se obter o valor devido.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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