Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

O legado de Bruno Covas e os desafios de Ricardo Nunes, o novo prefeito de São Paulo

Morte deixa um vazio no cenário político do país e no centro democrático de São Paulo

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Em um país com tão poucos líderes jovens, a lamentável perda de Bruno Covas deixa um vazio no cenário político brasileiro, especialmente no centro democrático de São Paulo.

O prefeito sempre defendeu a importância da política, ao contrário da moda da “antipolítica” que se instalou no Brasil na década passada e que abriu espaço para a extrema direita. Embora essa moda também o tenha favorecido, ao ser eleito vice-prefeito na chapa de João Doria, o “gestor” que surfou nessa onda.

Em diferentes situações, Bruno reafirmou seu compromisso com a liberdade, a diversidade e a democracia, se contrapondo ao autoritarismo que, na ditadura militar, cassou e perseguiu o avô Mario Covas, sua principal referência política.

A defesa desses valores, em um momento em que a centro-direita flerta com o autoritarismo, pode ser considerada seu maior legado. Com o histórico familiar e formação política ligada ao histórico PSBD paulista (em vias de extinção com sua morte e com a possível saída de Geraldo Alckmin do partido), Bruno não vacilou em demonstrar, com medidas e posicionamentos concretos, sua oposição ao bolsonarismo em aspectos que constituem alguns dos seus maiores devaneios obscurantistas, como a “guerra cultural”, a negação da ciência, o preconceito e a depredação ambiental.

Ao promover o festival Verão sem Censura para divulgar filmes, shows e peças de teatro que sofreram algum tipo de censura, corte de patrocínio ou reprovação pelo governo federal, o prefeito mostrou que não se intimidaria frente à guerra cultural e aos retrocessos anticivilizatórios promovidos por Bolsonaro.

Com maior legitimidade e independência frente ao governador Doria após vencer as eleições, esperava-se que sua gestão pudesse apontar para políticas mais progressistas, recuperando parte do ideário do avô, e que se projetaria como uma liderança destacada do campo democrático.

O câncer que o atacou, e que ele enfrentou com “força, fé e foco” e total transparência, frustrou essas expectativas. Agora assume o vice-prefeito Ricardo Nunes, que administrará a maior cidade brasileira por três anos e oito meses.

Em minha coluna de 3/5, mostrei por que considero necessário alterar a maneira como são escolhidos os substitutos dos mandatários de cargos majoritários eleitos por voto direto. É um debate necessário mas, eleito vice pelas regras do jogo, Nunes exercerá com legitimidade o mandato de prefeito, com todos os direitos e deveres e assumindo a enorme responsabilidade do cargo nesse momento especialmente grave.

Em entrevista após o falecimento do prefeito, Nunes afirmou que sua administração será “uma continuação da gestão Bruno Covas. Temos o nosso Plano de Metas (...), vamos continuar as mesmas coisas. (...) Não haverá mudança em nada que o Bruno planejou e definiu. Será uma gestão Bruno Covas até 2024. Não existe qualquer outra possibilidade a não ser honrar a memória dele e homenagear o carinho que ele tem pela cidade”.

É uma declaração muito respeitosa com o prefeito e bonita como homenagem, mas sabemos que as coisas não funcionam assim. Não existe piloto automático na gestão de uma cidade complexa como São Paulo, com inúmeros problemas, atores e interesses em jogo e, ainda mais, em plena crise sanitária, econômica e social.

Em administrações modernas, a participação da sociedade é essencial, exigindo do prefeito diálogo e capacidade de pactuar propostas, que não estão previstas de antemão.

O planejamento de gestão, a que se refere ao citar o Plano de Metas, ainda não está finalizado. Pelo contrário, a proposta elaborada pela gestão Covas, pouco ousada e inovadora, encontra-se em debate, com audiências públicas em andamento e inúmeras sugestões de alteração, feitas por cidadãos e entidades da sociedade civil.

Caberá ao novo prefeito liderar a administração nesse processo, pactuando um Plano de Metas capaz de enfrentar os desafios contemporâneos de São Paulo.

Preliminarmente, identificaria alguns dos mais importantes:

  1. Enfrentar a crise sanitária com uma estratégia multisetorial, que contemple tanto as ações na saúde, como ampliação da testagem e da vacinação, como os vários aspectos sociais e urbanos que tem contribuído para o propagação do vírus. São Paulo precisa evitar uma possível 3ª onda da Covid-19 com um conjunto inovador de ações em diferentes áreas da gestão municipal.
  2. Estabelecer diálogo com a sociedade para equacionar o imbróglio da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), ação não prioritária nesse momento. Não se deve adiante o cronograma e o processo revisional proposto pela prefeitura quando quase 500 entidades e coletivos tem se manifestado contra a realização dessa revisão.
  3. Uma alternativa à revisão seria formular importantes leis complementares previstas no PDE e não concretizadas, como uma legislação atualizada de Retrofit, e a aprovação de um plano de habitação capaz de enfrentar a grave crise de moradia gerada pela pandemia. Nesse sentido, a suspensão de todos os despejos e ações de reintegração de posse é essencial.
  4. Estruturar uma ação efetiva para combater a pobreza e desocupação na cidade, com foco na população em situação de rua e no trabalho informal e na criação de emprego e renda, associadas a programas de combate à crise sanitária.
  5. Criar uma estratégia de apoio e fortalecimento das atividades econômicas fortemente penalizadas pela pandemia, como o pequeno comércio, serviços, cultura, eventos e entretenimento.
  6. Estabelecer regras para o uso seguro do espaço e equipamentos públicos, de modo a garantir a retomada da vida urbana e cultural da cidade. Um programa que difunda, de forma didática e convincente, as normas de comportamento que garantam a segurança sanitária é essencial.
  7. Equacionar uma solução para o desequilíbrio estrutural do sistema de ônibus que, além de ser um vetor de contaminação, corre o risco de ser tornar economicamente insustentável.
  8. Planejar, com ampla participação de professores e pais de alunos, um retorno seguro do ensino presencial, sem colocar em risco a vida.
  9. Implementar um programa estruturado de adaptação urbana para enfrentar a emergência climática, com ações transversais e inovadoras.
  10. Implementar uma política de respeito ao direitos humanos e de combate a todas as formas de preconceito e intolerância.

Como vereador, convivi por quatro anos com o novo prefeito na Câmara Municipal. Independentemente das nossas discordâncias programáticas e das críticas que lhe fiz por ter se ausentado dos debates durante a campanha eleitoral, reconheço que é uma pessoa de diálogo.

​Espero que use essa habilidade para gerir a cidade com democracia, participação, interesse público, respeito ao meio ambiente, cidadania cultural, respeitos aos direitos humanos e à diversidade, garantindo os direitos sociais e urbanos para reduzir as enormes desigualdades de São Paulo e superar a grave crise que vivemos.

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