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Prefeitura de SP nas mãos do MDB é teste para estratégia de Doria

Com Nunes no lugar de Covas, qualquer problema será debitado da conta do governador

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São Paulo

A reta final da doença do prefeito paulistano, Bruno Covas, causou também uma crise de alta ansiedade dentro de seu partido, o PSDB.

Obviamente, nada que se tenha ouvido em voz alta: na política, há uma regra não escrita segundo a qual não se discute abertamente cenários quando o protagonista está gravemente doente.

Doria, Covas e Ricardo Nunes durante convenção que ratificou a candidatura do tucano à prefeitura paulistana
Doria, Covas e Ricardo Nunes durante convenção que ratificou a candidatura do tucano à prefeitura - Bruno Santos - 12.ago.2020/Folhapress

Foi assim durante a pré-campanha da reeleição de Covas: muitos dirigentes temiam suas condições de jogo. Mas o câncer que por fim o matou acabou sendo também o passaporte para sua candidatura: ninguém teria coragem de negá-la a ele, que foi autorizado por médicos a disputar a eleição.

No caso do prefeito, há a dupla tragédia. Primeiro, era um político novo, de 41 anos, em destaque numa carreira que poderia ter ainda voos mais altos.

Além disso, evoca-se em seu drama o calvário de seu avô, o governador Mario Covas (PSDB), morto no cargo em 2001 após um embate público também com o câncer.

Apesar dos escrúpulos previsíveis ao tratar do assunto, o bode estava efetivamente colocado na sala: como ficará a gestão municipal da maior cidade do país, desde 2016 recuperada para as mãos do PSDB, com a posse do vice-prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Entre aqueles mais descontentes e preocupados, os olhos se voltaram para o governador João Doria (PSDB), que trouxe o emedebista para a chapa de Covas no pleito de 2020 de olho na composição maior para a disputa presidencial de 2022.

Doria via o DEM amarrado a si pela promessa de entregar o governo a seu vice, Rodrigo Garcia, que poderia disputar a reeleição quando o tucano saísse para tentar a Presidência.

O MDB entrou no jogo do terceiro maior orçamento do país, e sabendo que o vice teria um papel importante no momento em que o prefeito estava se submetendo a um tratamento que poderia exigir ausências.

Como tática, fazia sentido, mas estrategicamente o arranjo não funcionou exatamente como o previsto.

A surra aplicada pelo centrão ao consórcio DEM-MDB-PSDB na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados desregulou a aliança, que está em processo de remontagem.

Garcia saiu do DEM e integrou o PSDB a convite de Doria, buscando garantir o compromisso de 2018 e barrando pretensões de Geraldo Alckmin de voltar ao Palácio dos Bandeirantes —o ex-governador poderá agora migrar para outra sigla, talvez o PSD.

É um jogo maior, que inclui o destindo do DEM nacional, cindido após a crise que culminou com a anunciada saída do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, próximo de Doria, do partido.

Já a parte MDB do acerto inicial se reforça agora com Nunes prefeito, e deve afetar a vontade de Paulo Skaf, que nunca controlou direito a sigla a que é filiado, de ser o candidato de Jair Bolsonaro ao governo paulista em 2022.

De quebra, Nunes faz crescer ainda mais o poder de Milton Leite (DEM), o presidente da Câmara Municipal visto como o homem por trás do emedebista —embora aliados do novo prefeito digam que ele tem voo próprio.

Em nome de acomodação com os aliados, Doria tem cedido espaço a Leite na área de transportes do estado. Seu grupo controla, de forma bastante controversa segundo o Ministério Público, a Artesp, a agência do setor, por exemplo.

Tucanos temem que, com o aliado na prefeitura, Leite, que já mandava muito na administração municipal, torne-se a força dominante na cidade.

Do ponto de vista mais amplo, o reforço estadual dá argumentos aos descontentes com o afastamento do DEM de Doria —há um movimento no partido de fomento a uma eventual candidatura presidencial de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado.

Além disso, a constante interlocução com o ex-presidente Michel Temer, um expoente do MDB, trouxe sinais preocupantes a integrantes do PSDB sobre os rumos da principal prefeitura do país.

Nunes até aqui vem colhendo elogios do governo estadual, e aliados de Doria dizem que ele poderá ser uma surpresa positiva agora que chefia o Edifício Matarazzo.

Sua presença na força-tarefa que multa festas clandestinas na cidade é citada como exemplo de proatividade, e comentar seu perfil discreto, em especial na etapa final da doença de Covas, virou lugar-comum.

Nas últimas semanas, Nunes tem demonstrado bastante afinidade com a gestão estadual, e a aposta é de que não haverá uma guinada radical.

Uma sinalização disso será a provável permanência de Rubens Rizek, próximo de Covas e com histórico de trabalho com o tucanato que remonta ao avô do prefeito morto, na poderosa Secretaria de Governo.

Mas essas são expectativas. No cargo, quaisquer escorregões ou problemas de ordem ética na gestão acabarão sendo debitados por adversários e aliados da conta de Doria.

O governador já enfrenta resistência no eleitorado da capital por ter deixado a prefeitura para disputar o governo do estado em 2018.

Se o desempenho de Nunes for problemático, terá mais essa questão a responder se mantiver o plano de buscar fazer o sucessor enquanto tenta desalojar Bolsonaro do Planalto no ano que vem.

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