Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mercado imobiliário

Por que, onde, como e para quem São Paulo deve se adensar

Debate sobre o Plano Diretor tem se processado de forma polarizada, sem que o interesse público tenha prevalecido

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Um debate qualificado sobre adensamento, verticalização, proteção aos lugares de interesse patrimonial, urbano, cultural e afetivo e a criação de áreas verdes e livres é fundamental no processo de revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), que começa a ser promovido pela prefeitura e que, espera-se, venha a ser efetivamente participativo.

Nos últimos anos, esse debate tem se processado de forma polarizada, sem que o interesse público e a visão de futuro de São Paulo, em suas diferentes dimensões, tenha prevalecido.

De um lado, o mercado imobiliário quer flexibilizar a legislação para liberar a verticalização sem restrição em toda a cidade, sobretudo nos miolos dos bairros privilegiados, onde o PDE limitou a altura dos prédios a máximo de 28 metros (oito andares), e para aumentar o número de garagens e o tamanho dos apartamentos dos eixos de transporte coletivo de massa, onde o PDE limitou a uma vaga por unidade e uma área média dos apartamentos de 80 m2.

Prédios e casas no bairro do Tatuapé, em São Paulo - Eduardo Knapp - 20.jan.2022/Folhapress

Por outro lado, movimentos e associações desses mesmos bairros privilegiados querem conter o processo de verticalização, que está transformando a paisagem de algumas áreas consolidadas da cidade, desagradando seus atuais moradores.

Nessa polarização, que envolve dois polos antagônicos de interesses urbanos, está ausente a população que habita as áreas de vulnerabilidade, nas periferias, favelas e cortiços, excluída dos benefícios urbanos, e que não tem tido lugar nesse debate, fazendo com que acreditem que o planejamento urbano é assunto apenas para as elites.

Dar mais amplitude e consistência para o debate urbanístico, em um processo participativo, é essencial para que a legislação possa ser aperfeiçoada levando em conta os pontos de vista de todos os segmentos da sociedade, com a perspectiva de prevalecer o interesse público e social.

Para aprofundar esse tema, considerando os aspectos demográficos, sociais, urbanos, ambientais e culturais, é necessário responder a quatro questões básicas:

  1. A cidade precisa se adensar, ou seja, deve abrigar mais pessoas e moradias no mesmo perímetro urbano hoje ocupado e urbanizado?
  2. Se deve se adensar, onde isso deve ocorrer?
  3. Com que padrão de ocupação do solo e volumetria dos edifícios esse adensamento deve se dar?
  4. Quais os setores sociais que devem ser atendidos nesse adensamento?

Vamos responder, de maneira didática e fundamentada, essas quatro questões, dando início a uma série de colunas sobre a revisão do Plano Diretor.

Em relação à primeira pergunta, a resposta é sim: a cidade precisa se adensar, abrigando mais gente e moradias na mesma área hoje ocupada ou, até mesmo, em uma área menor, considerando que áreas de riscos precisarão ser desocupadas tendo em vista os intensos e mais frequentes eventos climáticos extremos.

A mancha urbanizada da metrópole não deve se expandir horizontalmente, por três razões ambientais: a) porque já alcançou os limites da área de proteção ambiental e dos mananciais; b) porque é necessário manter um cinturão verde e rural no entorno da área urbanizada, para garantir equilíbrio microclimático e produção de alimentos próximo ao imenso mercado consumidor de São Paulo; c) porque a mitigação das mudanças climáticas recomenda uma cidade mais compacta para reduzir a mobilidade motorizada, que responde por 65% das emissões de gases de efeito estufa no meio urbano.

Por outro lado, as projeções mostram uma enorme necessidade de novas moradias na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), seja para atender o déficit acumulado, seja para suprir a demanda demográfica, seja para repor o estoque existente.

O déficit habitacional acumulado, ou seja, pessoas de baixa renda que moram em condições indignas, foi estimado em 2019, pela Fundação João Pinheiro, em 577 mil unidades.

É ainda maior a demanda demográfica, que inclui as novas famílias que se formam diariamente e pelos migrantes e imigrantes que chegam à cidade. Segundo projeção da Universidade Federal Fluminense, entre 2020 e 2030, a demanda por novas moradias alcança 718 mil unidades na RMSP.

A demanda demográfica inclui famílias de diferentes classes de renda, inclusive de média e alta renda, o que explica o aquecimento do mercado imobiliário.

Essa enorme necessidade por moradias é impulsionada pela redução do tamanho das famílias, de modo que o arrefecimento do crescimento populacional não é acompanhado, na mesma escala, pela redução da demanda habitacional. O tamanho médio das famílias na RMSP, que era de 3,27 pessoas em 2010, cairá para 2,72 em 2030 e para 2,60 em 2040.

Além disso, existe ainda em São Paulo uma forte demanda, ainda não estimada, por segundas moradias, por alojamento temporário (modelo Airbnb) e pela reposição do estoque de moradias demolidas ou que mudam de uso, que interferem no mercado habitacional.

Assim, até 2030, seria necessário alocar, no mesmo perímetro urbanizado, 1,3 milhão de novas unidades habitacionais para garantir moradia digna para todos ou, no mínimo, 718 mil para atender às novas necessidades (deixando intocado o déficit habitacional e desconsiderando a reposição do estoque e as demandas por alojamento temporário). Frente a essa demanda, é óbvio que é necessário adensar a cidade.

Coloca-se então a segunda pergunta: onde e como adensar e onde restringir o adensamento?

Vou deixar a resposta e a reflexão sobre essa questão para a próxima coluna, não sem adiantar algumas pistas.

É possível adensar sem adotar uma verticalização sem limites. Uma verticalização bem direcionada pode gerar adensamento e uma boa qualidade urbana. Adensar não significa desconsiderar e destruir bairros e vilas com interesse histórico, cultural, urbano, afetivo e ambiental.

O adensamento precisa ser articulado com outras estratégias urbanas, sobretudo com a de mobilidade e o estimulo ao transporte coletivo e ao uso racional de automóvel. A mistura de classes e de usos nos territórios, evitando-se a segregação e setorização, precisa ser buscada.

Parques e praças em meio a áreas verticalizadas são indispensáveis para gerar um equilíbrio entre áreas adensadas e espaços livres e verdes. Uma cidade saudável e com qualidade de vida urbana precisa ter diversidade de densidades e tipologias de edifícios.

Não devemos temer a verticalização, mas a péssima arquitetura da maioria dos edifícios. Como escreveu Lucio Costa, em parecer sobre o hotel moderno que Niemeyer projetou em meio ao casario colonial de Ouro Preto, "a boa arquitetura de um determinado período vai sempre bem com a de qualquer período anterior, o que não combina com coisa alguma é a falta de arquitetura".

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