Centenas, milhares de cupcakes, sanduíches, saladas, sopas, carnes, o assunto comida me deixa repetitiva. Me espanto demais. Lembro de mim, recém-casada, na piscina do clube sem poder conversar sobre comida, que as mulheres me desprezariam como uma senhora jovem, mas cricri.
Depois, os homens começaram a fazer risoto. Já eram bons de churrasco, e eles, os homens do risoto e principalmente alguns que escreviam crônicas, começaram a deixar que as mulheres falassem sobre comidas e até dessem alas para eles. Tenho uma foto do meu marido, de coque branco caído sobre a testa, aprendendo a fazer macarrão ao pesto com uma professora, agarrado na panela, pois a classe era grande e era preciso não largar o molho antes que algum aventureiro tomasse conta dele.
Nos restaurantes, as coisas aconteciam devagar, os menus não mudavam e havia um certo conforto nisso. No Rio de Janeiro, os restaurantes de praia, ali na calçada da Atlântica, serviam a coisa mais deliciosa, ainda me vem água na boca: uma pescada frita com batatinhas.
Era de um frescor e de uma singeleza!
Mas que os inúmeros cozinheiros atentem para o fato que a glória dura pouco. De geração em geração perde-se a memória do que passou. Nome de cozinheiro, então, parece que Escoffier e Carême ficaram, mas como ícones. Saber deles é pura decoreba, ninguém os procura nos grossos livros e nem pensa em copiar uma receita com aquelas decorações de purê azul nas bordas. Uma pena, eles têm muita coisa boa.
Imaginem o Atala, que conheci meninote, de cabelos brancos, porte sisudo...
Mas, depois que tomaram gosto, ninguém compete com os homens. Eles escrevem!
No livro do Dória e do Bastos há receitinhas imperdíveis. Vejam:
Farofa crua
Adicionam-se à água fria sal, cheiro-verde picado, cebola em rodelas bem finas e pimenta. Junta-se a farinha de mandioca, mexendo até ficar bem solta e homogênea.
Fiz uma pesquisa na Internet há uns tempos sobre comidas preferidas e imaginem que ganhou farinha com vinagrete... e não é que isso existe?
Outra: Lambari frito
Limpa-se e lava-se o lambari, deixando-se em tempero de limão, cebola, alho e salsinha picadinhos. Passa-se no fubá mimoso e frita-se em gordura quente. O mesmo pode ser feito com manjubinha, não sendo necessário, porém, abri-las.
Biscoito de torresmo
Passa-se na máquina de carne um quilo de torresmo, mistura-se a meio quilo de polvilho e mexe-se bem. Amassa-se com dois ovos, juntam-se açúcar a gosto, uma colherinha de cremor tártaro e canela. Assa-se em forno médio.
Paçoca de carne-seca
Deixa-se a carne-seca em água, de véspera. Lava-se, corta-se em pedaços miúdos e cozinha-se. Depois, na panela, fritam-se rodelas de cebola em banha, acrescentando-se a carne-seca até dourar bem. Por fim, soca-se no pilão, juntando aos poucos punhados de farinha de mandioca ou milho. Pode-se acrescentar pedaços de torresmo. A paçoca é servida com pedaços de banana.
E os homens se esmeram, sem frescuras, bem brasileiros, sem medo de serem tachados de caipiras, bem ao contrário, babando de gozo.
“A Culinária Caipira da Paulistânia”, de Carlos Alberto Dória e Marcelo Corrêa Bastos. História, território, ingredientes e modo de fazer (com as 269 receitas principais).
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