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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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Livros contra o crime (mas não desse jeito que você está pensando)

A promessa da educação está sendo distorcida para justificar a barbárie

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Faz 7 anos, mas parece que foi há 70. Em 2012, a comarca localizada na cidade de Joaçaba, em Santa Catarina, criou um projeto de leitura. Presos que lessem (e entendessem) obras como “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, teriam a pena reduzida.

O objetivo era levar as pessoas a pensar sobre si, a fazer algo que só a boa literatura permite: abrir uma janela para um terreno desconhecido da vida. E, a partir dessa reflexão, começar o lento processo de reintegração ao mundo das pessoas livres. 

Esse projeto de Joaçaba está ligado às mesmas ideias que deram origem ao conceito de que a educação deve ser pública e para todas e todos, sem distinção. Se as pessoas têm a oportunidade de aprender sobre o mundo e sobre si, elas terão condições de pensar (e quem saber planejar) o próprio destino. O conhecimento é pré-condição para a liberdade. 

Há muitas disputas sobre as origens dessas ideias. Alguns vão dizer que elas têm origem cristã. Outras dirão que são frutos legítimos do Iluminismo. Tem quem diga que só foram possíveis com a social-democracia europeia, que emergiu após a Segunda Guerra. Enfim.

Antes que você vá embora, quero explicar por que mapear essa origem, em pleno 2019, não é um exercício intelectual vazio. Ele ajuda a entender quem se opõe a essa ideia —e nos ajuda a chegar ao Brasil dos nossos tempos. 
 
Uma parte da sociedade nunca acreditou muito no projeto de melhoria dos homens e mulheres. É uma visão trágica do mundo. As pessoas são o que são. Alguns vão dizer que a personalidade nasce com a pessoa – e quem é mau, nessa visão, sempre será. Outros dirão que o homem é um sujeito trágico e a nós compete apenas reduzir danos.

Então, o investimento não deveria ser feito para melhorar o que não pode ser melhorado, mas para mitigar a tragédia que virá. E há ainda os que não entendem a ideia de progresso, o conceito de que, a longo prazo, o futuro será melhor do que o presente. Portanto, para que investir na melhoria das pessoas? 

Entender essas concepções, muito presentes numa parcela da direita política atualmente, é fundamental. Quando muitas pessoas falam “anulou um CPF” ou “atire no bandido com um livro”, elas estão, de alguma forma, dialogando com essa concepção trágica de mundo. Ela não é boa ou má em si —ela é o que é. 

Afinal, muitas barbaridades foram cometidas em nome do progresso, como os campos da morte na União Soviética. E muitas barbaridades estão sendo cometidas a partir dessa visão trágica de mundo, como o “tiro na cabecinha” do governador do Rio de Janeiro

Embora eu não seja um entusiasta da ideia de progresso e partilhe um pouco dessa visão trágica de mundo, me vinculo de um jeito meio torto a essa tradição meio cristã, meio iluminista, meio social-democrata. Acredito que a educação, além de permitir que as pessoas se descubram e inventem suas vidas, também é uma forma de reduzir danos, os danos que causamos uns aos outros. 

Portanto, se nós, que acreditamos em educação para todos, queremos dialogar com as pessoas que estão feridas e furiosas com a violência brasileira, se queremos construir algum caminho possível, precisamos entender como elas pensam —por mais difícil que isso seja. 

Porque sim, é possível formar um país menos violento com livros. Mas não será com slogans que vamos fazer isso. Quem está na defesa, e os progressistas o estão neste momento, tem o dever de propor caminhos. Precisamos recuperar, na prática, as promessas da educação. Ela construiu coisas incríveis mundo afora. Se nós queremos repetir isso no Brasil, temos um longo trabalho pela frente.

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