Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Democracia militante

Diferentemente da Alemanha, no Brasil os radicais estão no centro do poder

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Após 75 anos da derrota do nazismo, a extrema-direita continua sendo vista como a principal ameaça à democracia por parte das autoridades alemãs.

Nesta semana, a ala mais radical do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) foi colocada publicamente
sob a vigilância do Estado.

A possibilidade de que atores políticos autoritários se utilizem das liberdades constitucionais e do próprio sistema eleitoral para colocar fim ao regime democrático tem sido —não sem motivo— uma contínua preocupação entre democratas.

É sempre chocante lembrar o perverso ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, para quem uma das maiores ironias da democracia liberal “é que ela concedeu aos seus inimigos mortais os meios para que fosse destruída”.

Como reação a esse paradoxo, muitos passaram a defender o estabelecimento de barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, o famoso constitucionalista Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes.

Congresso Nacional
Congresso Nacional - Luis Macedo - 03.dez.2019/Câmara dos Deputados

Por essa doutrina, é possível investigar e mesmo restringir direitos de grupos que ameaçam a democracia, como agora ocorre com os radicais na Alemanha.

A doutrina é controvertida, pois governos mal-intencionados ou tribunais cooptados podem abusar de sua autoridade para impor limites àqueles que os criticam e desafiam.

A questão sobre quem guarda os guardiões sempre reaparece quando se atribui a alguém o poder de censurar ou restringir direitos.

Essas dificuldades, no entanto, não podem eliminar a disposição e mesmo a necessidade das democracias constitucionais de estabelecerem mecanismos voltados a conter ataques aos seus pilares fundamentais.

Evidente que a melhor defesa da democracia é o compromisso da imensa maioria dos cidadãos e das lideranças políticas e institucionais com as regras do jogo. Mas a dinâmica da vida política leva muitas vezes a que esse compromisso decline, em face de uma forte polarização política ou mesmo de crises econômicas, sociais ou morais.

Nesses momentos, em que afloram as paixões e a irracionalidade, em que os princípios da civilidade são desafiados pelo ressentimento e o ódio, como temos assistido no Brasil, a existência de mecanismos jurídicos e constitucionais de proteção à democracia podem e devem ter algum papel em restringir
ímpetos autocráticos.

A Constituição de 1988, reagindo ao autoritarismo, estabeleceu robusto conjunto de cláusulas pétreas voltadas a proteção dos direitos fundamentais, do sistema de separação de poderes, da federação, assim como da sacralidade do voto direto, secreto, universal e periódico, como bastião de nossa democracia. Ações que agridam essas cláusulas são inválidas.

Nas últimas semanas a animosidade em relação aos valores constitucionais parece ter mudado de patamar.

A convocação de manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal —somente adiadas por força da pandemia—, o flerte com motins que desestabilizam a autoridade de governadores e, finalmente, a estocada presidencial (no exterior!) contra o processo eleitoral, deixam claro que há um deliberado ataque aos pilares da democracia.

Só que, diferentemente da Alemanha, também partem do centro do poder. É hora de cidadãos e instituições se empenharem na tarefa prática de impor limites políticos e constitucionais para conter —como numa epidemia— tudo aquilo que conspire contra a democracia.

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