Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus

À margem da lei

A qualidade do Estado de Direito no Brasil vem caindo nos últimos três anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Brasil vive às turras com a lei desde sua origem. A ideia de que pessoas e instituições devam se conduzir em conformidade com regras gerais —aplicadas sem qualquer distinção— e de que todos são sujeitos de iguais direitos, jamais conseguiu superar os enormes obstáculos levantados por uma sociedade estruturada em torno da desigualdade, da discriminação, dos privilégios e das exclusões. Daí a incompletude de nosso governo das leis.

A consequência mais imediata da fragilidade da lei no Brasil é a submissão de enormes contingentes da população à violência e ao arbítrio, que brutaliza a vida cotidiana dos mais pobres, mas também cria mal-estar os mais afluentes. A consequência mais difusa dessa incompletude é que o país não consegue consolidar uma trajetória de desenvolvimento. Onde não há lei prevalece o oportunismo e a rapinagem, em detrimento da cooperação, do planejamento, do investimento de longo prazo, da boa governança democrática.

Policiais federais atuam em garimpos ilegais na região do rio Crepori, afluente do rio Tapajós, no Pará; o garimpo ilegal é uma das formas de crime organizado na Amazônia
Policiais federais atuam em garimpos ilegais na região do rio Crepori, afluente do rio Tapajós, no Pará; o garimpo ilegal é uma das formas de crime organizado na Amazônia - Pedro Ladeira - 16.fev.22/Folhapress

A qualidade do Estado de Direito no Brasil vem caindo nos últimos três anos. O Brasil se encontra no bloco dos países que mais declinaram na América Latina, conforme aponta o último "Rule of Law Index". Essa deterioração não chega a surpreender, em face da hostilidade do presente governo —e das múltiplas forças autoritárias, milicianas e liberticidas que o apoiam— ao governo das leis.

A espessura desse declínio pode ser percebida em múltiplas esferas. Particularmente grave é o crescimento do crime organizado na região amazônica, associado não apenas ao controle das rotas de tráfico, mas também ao garimpo ilegal, ao desmatamento e à grilagem. As taxas de homicídios em cidades pequenas e médias na Amazônia superam hoje a média nacional ("Cartografias das Violências na Região Amazônica", produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022). O desmonte dos órgãos e mecanismo de controle e aplicação da lei, além de um claro incentivo a práticas ilegais, tem colocado em risco nosso principal ativo estratégico, sob o olhar cúmplice daqueles que sustentam o presente governo.

A deterioração também é clara no âmbito da corrupção, seja pela institucionalização do orçamento secreto, que azeita as relações do parlamento com o Executivo, seja pela fragilização de instituições como a Controladoria Geral da União e a Policia Federal.

Não se deve negligenciar também o fortalecimento do milicianismo e do tráfico em muitas regiões do país. Estima-se que mais de 60% do território do Rio de Janeiro estejam sob o controle dessas forças, o que tem contribuído para um dramático declínio econômico do estado, além de perdas humanas inestimáveis.

O Brasil não superará os seus inúmeros desafios no campo do desenvolvimento econômico, do controle da corrupção política, da preservação ambiental, da qualificação de seus jovens ou da pacificação social e controle do crime sem enfrentar a questão da integridade do Estado de Direito. A sua deterioração nos lança num caminho perigoso.

É surpreendente que muitas pessoas que compõem setores do empresariado, das classes armadas, de grupos religiosos e mesmo do estamento jurídico não se deem conta da estratégia deliberada de erosão da lei e da ordem patrocinada por esse governo. À margem da lei só há o crime.

Homenageio com esse artigo o ilustre jurista e brasileiro Dalmo de Abreu Dallari, que jamais se acovardou face àqueles que afrontaram o Estado de Direto.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.