Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Guardiões e soldados

Não há nada que autorize nossos soldados a supervisionar o Supremo Tribunal Federal no exercício de sua missão de guardar a Constituição

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A erosão das democracias constitucionais é normalmente precedida por um forte processo de descrédito de suas instituições.

Entre os alvos preferidos dos novos populistas autoritários encontram-se os tribunais e cortes constitucionais, responsáveis por defender, em última instância, as regras do jogo democrático. Quanto mais proeminentes, mais atacadas serão.

O presidente da República, Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 25.mai.2022/Folhapress

O roteiro é conhecido. Hugo Chávez ascendeu ao poder em fevereiro de 1999. Em menos de 10 meses conseguiu aprovar, por meio de um plebiscito, uma nova Constituição que lhe atribuiu extensos poderes, inaugurando o que David Landau chama de "constitucionalismo abusivo", com amplo apoio de militares.

Em 2004, após um longo período de embate com o Supremo Tribunal de Justiça, aprovou lei orgânica, aumentando o número de juízes do Supremo e alterando a regra para a nomeação e destituição de magistrados. O tribunal, desde então, assumiu uma postura servil ao regime.

Recep Erdogan, eleito primeiro ministro da Turquia em 2003 e presidente em 2014, inspirado em Putin, também utilizou emendas à Constituição de 1982 para consolidar seu poder e subverter um dos poucos regimes democráticos da região.

Duas emendas, aprovadas em 2010, ampliaram a composição e as regras de nomeação dos membros da Corte Constitucional. Após a tentativa de golpe militar de 2015, nada menos que 2.745 juízes e promotores foram presos. O regime de exceção se consolidou, agora com anuência da então altiva Corte Constitucional de Ankara.

Viktor Orbán, seguindo o script, tornou-se primeiro ministro da Hungria, pela segunda vez, em 2010.

Conquistando mais de dois terços do parlamento, aprovou uma ampla reforma constitucional, ainda em 2011.

A poderosa Corte Constitucional Húngara, joia da coroa do constitucionalismo democrático que aflorou na Europa do Leste após a queda do Muro de Berlim, passou a ser sistematicamente atacada por Orbán.

Duas emendas constitucionais ampliaram sua composição, restringiram o acesso dos cidadãos à sua jurisdição, bem como anularam importantes decisões anteriores às reformas de 2011. Neutralizado o tribunal, Orbán alterou as regras eleitorais e abriu caminho para um novo mandato.

Como Bolsonaro não dispõe da maioria necessária para alterar formalmente as regras básicas da democracia brasileira, sua estratégia tem sido abusar de medidas infralegais e parainstitucionais para subverter, afrontar ou neutralizar mandamentos constitucionais. Ao encontrar resistência no Supremo Tribunal Federal, fez dele o principal alvo de seus ataques.

O mais grave, no entanto, tem sido a forma insidiosa e ilegal com que passou a incitar animosidade entre as classes armadas e o Supremo Tribunal Federal e, mais recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral.

O fato é que Bolsonaro busca explorar um ressentimento difuso entre militares em relação ao Supremo que, a partir da Constituição de 1988, assumiu a função de guardião da Constituição, deslocando as Forças Armadas da função moderadora que ocupou de facto e não de iuri, desde da Velha República.

As Forças Armadas têm uma missão importantíssima e dificílima na defesa de nossa integridade territorial e, ainda que subsidiariamente, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa dos demais poderes. A bárbara execução de Bruno e Dom, numa terra sem lei, chamada Amazônia, demonstra isso.

Não há nada que autorize nossos soldados, no entanto, a supervisionar o Supremo Tribunal Federal no exercício de sua missão de guardar a Constituição. O mesmo se diga em relação ao Tribunal Superior Eleitoral na condução do processo eleitoral.

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