Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus TSE

A regra da lei e o mercado eleitoral

Autoridade não se confunde com popularidade

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A autoridade do Judiciário deriva da sua capacidade de aplicar o direito de forma coerente, consistente e imparcial. Autoridade não se confunde com popularidade. Muitas vezes, ao corretamente aplicar a lei, a Justiça atrai para si enorme ressentimento e isso é parte do jogo.

Ao tomar decisões que impõem penas ou asseguram direitos às pessoas, juízas e juízes devem se esforçar para expressar, da forma mais coerente possível, aquilo que está previamente estabelecido pela lei; devem cuidar para que o julgamento de um caso concreto seja consistente com o julgamento de outros casos semelhantes, para que a aplicação da lei não se transforme em uma loteria; por fim —e esse é o processo mais difícil— devem se policiar para que suas próprias preferências e paixões, conscientes ou inconscientes, não interfiram no resultado de suas decisões.

Para favorecer a realização dessas "virtudes" da adjudicação, as razões de ordem normativa, fática e doutrinárias que levam a uma decisão devem estar expostas publicamente nas sentenças judiciais. Sem isso, é impossível aferir se juízas e juízes estão exercendo legitimamente a autoridade que lhes foi conferida pela Constituição. O exercício da função jurisdicional é, portanto, uma tarefa difícil, especialmente quando envolve questões com grande repercussão política, econômica ou social. Mas ainda assim, uma tarefa indispensável numa democracia.

Ex-presidente Jair Bolsonaro em uma sala escura, na qual aparece apenas seu rosto
A condenação de Jair Bolsonaro, pela prática ilegal de abuso de poder político, pelo TSE, é mais um capítulo do processo de judicialização da política no Brasil - Eduardo Anizelli - 29.jun.23/Folhapress

A condenação de Jair Bolsonaro, pela prática ilegal de abuso de poder político, pelo TSE, é mais um capítulo do processo de judicialização da política no Brasil. Embora a convocação do Judiciário para arbitrar questões de natureza política e tomar decisões com ampla repercussão econômica e social não seja um fenômeno exclusivamente brasileiro, é inegável que esse processo ganhou densidade no Brasil, seja como consequência do modelo abrangente de nossa jurisdição constitucional, estabelecida em 1988, seja pela própria insistência de muitos atores políticos de se insurgir sistematicamente contra as regras do jogo.

Qual deve ser a postura do sistema de justiça quando um político viola a lei? Deve ser complacente, afinal na democracia a soberania pertence ao eleitor; se quiserem eleger um delinquente que o façam? Deve pautar-se numa ética de resultados, buscando inferir qual decisão geraria menos impacto no sistema político?

Creio que não. A razão prevalente para a tomada de uma decisão judicial dever ser sempre o fiel cumprimento da lei. Isso não significa que a Justiça não deve estar atenta às consequências de suas decisões. Porém, cálculos consequencialistas não devem se sobrepor àquilo que determina a lei, sob o risco de juízes se transformarem também em políticos, mas com uma agravante: juízes não são eleitos para tomar decisões políticas, nem podem ser responsabilizados caso tomem decisões politicamente equivocadas.

A transigência com ilegalidades cometidas por atores políticos é um mal em si, fomentando o comportamento oportunista e violando a livre competição democrática. Se não forem contidas, tendem a contaminar as instituições, inclusive as responsáveis pela aplicação da lei, degradando o próprio Estado democrático de Direito.

Como meu velho amigo Fernando Limongi, eu também preferiria que Bolsonaro tivesse sido refugado pelo "mercado eleitoral", em face de sua mais absoluta falta de virtudes republicanas. Isso não significa, no entanto, que ele não deva responder na Justiça por seus atos que afrontaram a lei. Não cabe à Justiça fazer cálculo político sobre a conveniência de sua condenação. Sua obrigação é aplicar a lei de forma coerente, consistente e imparcial.

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