Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus Congresso Nacional

'Nós é que fizemos de menos'

Não são as ambições que são excessivas, mas nossas injustiças que são muitas

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A mais democrática e generosa de nossas Constituições completou 35 anos nesta semana. Ponto culminante do processo de transição para a democracia, estabeleceu como objetivos fundamentais da República "construir uma sociedade livre, justa e solidária"; "garantir o desenvolvimento nacional"; "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"; por fim, estabeleceu como meta "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação".

Fruto de uma intensa participação popular, que invadiu o Congresso Nacional, e de uma ampla negociação entre os principais atores políticos, econômicos e sociais, o texto foi recebido com uma forte dose de ceticismo por setores conservadores, que não apenas vaticinaram a sua morte precoce como também sempre resistiram à sua implementação.

Poucos meses antes da aprovação da versão final do texto, o então presidente Sarney buscou constranger a Assembleia, assegurando que a nova Constituição tornaria "o Brasil ingovernável". A resposta de Ulysses Guimarães foi imediata. Além da aprovação por 403 votos, contra míseros 13 votos desfavoráveis (55 abstenções), proferiu discurso retumbante, afirmando que "ingovernável [é] a fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida..."

Livro da Constituição Federal aberto na primeira página
Em seus 35 anos, a Constituição Federal tem contribuído para inúmeros avanços no país - Rosinei Coutinho - 13.jan.22/SCO/STF

A Constituição não apenas sobreviveu, mas também tem contribuído para inúmeros avanços ao longo desses 35 anos, como a ampliação da expectativa de vida, do acesso à educação e à saúde, redução da pobreza e também avanços significativos no campo das relações raciais e de gênero ou do meio ambiente. Há que se reconhecer, no entanto, que ainda estamos muito longe de alcançar as aspirações traçadas em 1988.

A desigualdade permanece abissal, submetendo largas parcelas da população brasileira a um cotidiano degradante. As populações negras e pobres, que habitam nossas periferias sociais, ficam ainda expostas a uma carga brutal de violência e discriminação, apontando para um fracasso de nossa democracia de assegurar a todos os direitos mais básicos.

A quem devemos atribuir esses fracassos? Como salientou o vice-presidente Geraldo Alckmin, na celebração dos 35 anos da Constituição ocorrida no Supremo Tribunal Federal: "[a Constituição] não é ambiciosa, ela é correta. Ela não é excessiva, ela é justa. Ela não promete demais. Nós é que fizemos de menos até agora e estamos ainda muito em débito com o futuro que ela previu".

De fato, não são as ambições que são excessivas, mas nossas injustiças que são muitas. Do que serviria uma Constituição indiferente a essas injustiças? Penso no artigo 227 da Constituição, ao estabelecer que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". O que deveria ter dito de diferente?

O que Alckmin parece estar nos dizendo é que, se há algo errado na vida da República, não são as ambições ou os direitos inscritos na Constituição, mas sim na sua "casa de máquinas", na qual opera o corpo político, que parece mais interessado em maximizar seus interesses do que cumprir com suas obrigações constitucionais.

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