Seria tentador, mas inexato, dizer que assistimos à morte da verdade. O que estamos vendo é uma perigosa e acelerada perda de confiança nas instituições que asseguram que a produção da verdade está adequadamente assentada em procedimentos rigorosos.
Em entrevista divulgada pela TVT na última sexta-feira (14), o ex-presidente Lula endossou a teoria da conspiração de que a facada em Bolsonaro poderia ter sido forjada: “Tem uma coisa muito estranha, uma facada que não aparece sangue em nenhum momento. O cara que dá a facada é protegido pelos seguranças do Bolsonaro, a faca que não aparece em nenhum momento”.
A reação na esquerda foi ainda mais estarrecedora do que a declaração do ex-presidente.
Acostumada a acusar a direita de difundir fake news e de “não ter fatos, mas convicções”, parte da esquerda não viu problema em dar crédito a uma teoria delirante que implicaria o conluio de centenas de testemunhas, repórteres dos principais veículos de comunicação, três equipes médicas, de Juiz de Fora, do Albert Einstein e do Sírio-Libanês, e duas investigações independentes, da Polícia Civil de Minas Gerais e da Polícia Federal.
O bolsonarismo não deixa por menos.
Na tarde do último domingo (16), influentes perfis bolsonaristas no Twitter e páginas de notícias hiperpartidárias no Facebook difundiram acusações de um perfil anônimo, desativado em seguida, que alegavam que o jornalista Glenn Greenwald teria recebido dinheiro de um bilionário para contratar um hacker russo para desestabilizar a Lava Jato e afastar Jean Wyllys da Câmara dos Deputados.
A evidência apresentada era um documento grosseiramente forjado que registraria transações em bitcoins.
A lógica por trás do alvoroço em perfis e páginas bolsonaristas era clara: se Greenwald pode produzir reportagens com grandes repercussões a partir de documentos cuja autenticidade tem como respaldo apenas a sua credibilidade como jornalista, então acusações graves que fossem igualmente respaldadas por gente “do outro lado” teriam o mesmo estatuto de verdade —como se a apuração criteriosa e uma reputação sustentada por um Pulitzer não fizessem diferença.
O descrédito nas instituições que resguardam os métodos de produção da verdade é resultado direto da agitação e do fanatismo político que tomaram o país.
Se não confiamos mais nos fatos que foram estabelecidos por cientistas, por jornalistas, por médicos e por policiais, cada qual pode escolher a sua verdade.
Como diz o novo jargão da política, tudo agora se resume a uma disputa de narrativas.
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