As manifestações do último domingo (26) consolidaram o impasse político que vive o país. Foram grandes o suficiente para, com boa vontade, poderem ser comparadas aos protestos contra os cortes na educação, mas não tão grandes para conseguir assustar o Congresso —supondo que esse era o objetivo maior do governo.
De um ponto de vista analítico, o principal desafio é entender se o que vimos foi o enxugamento e o encolhimento do campo antipetista ou, ao contrário, a emergência de um novo campo de mobilização, o do bolsonarismo puro, que poderia se expandir sem as amarras e contrapesos das lideranças do movimento anticorrupção.
Também precisamos entender a motivação dos protestos.
Meu grupo de pesquisa na USP investigou a questão, perguntando aos manifestantes na avenida Paulista qual, entre uma lista de motivos, tinha sido o determinante para irem às ruas. O resultado foi surpreendente. Não foi nem o apoio à Lava Jato (8%) nem a rejeição ao STF (6%) nem o rechaço ao centrão (6%) o que motivou os manifestantes, mas o “apoio às reformas” (75%).
Como interpretar esse estranho fenômeno do protesto a favor?
Sabemos que, originalmente, a convocação dos protestos enfatizou a crítica às elites políticas que criavam obstáculos à ação do governo (centrão), que limitavam a atuação da Lava Jato e que ameaçavam censurar as mídias sociais (STF).
Depois que se impôs o entendimento de que essas pautas soavam antidemocráticas, os líderes do bolsonarismo ressignificaram os protestos como a favor das reformas: a redução dos ministérios e a transferência do Coaf, a reforma da Previdência e o pacote anticrime.
Talvez a estratégia dessa mudança tenha sido captada pela base que entendeu que, no fundo, apoiar as reformas é também se opor às elites políticas que as impedem.
O que mais surpreende, porém, é que uma pauta tão inerentemente impopular como a reforma da Previdência consiga levar alguém às ruas.
Pode ser que, entre o conjunto das reformas, tenha pesado mais o popular pacote anticrime, de Sergio Moro. Mesmo assim, o fato de que o governo consiga promover uma pauta impopular, associando-a à outra popular, não deixa de ser uma manobra política impressionante.
As manifestações também precisam ser interpretadas no sinal que emitiram sobre o Congresso e o Supremo. Além da mudança na convocação, vimos o presidente explicitamente condenar o desrespeito às instituições, sugerindo que quer estabelecer com elas uma relação adversarial, mas dentro dos marcos constitucionais.
Resta saber se podemos acreditar no que ele diz.
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