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Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Danielle Brant

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Descrição de chapéu América Latina

Há preconceito com a Sputnik só porque é vacina russa, diz governo argentino

Assessora de Alberto Fernández afirma que apenas questão política explica Brasil não usar o imunizante

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Uma das assessoras do presidente da Argentina, Cecilia Nicolini afirma que apenas questões políticas podem explicar a reticência da Anvisa em aprovar o uso da Sputnik V no Brasil. Mais de 60% das doses aplicadas no país comandado por Alberto Fernández são do imunizante russo.

“Não sei com certeza [quais são] as pressões, mas com certeza é uma questão política. Porque as evidências já estão aí, de resultado e também as experiências vacinando com a Sputnik”, diz em entrevista ao Painel por chamada de vídeo de Moscou.

Cecilia é responsável na Argentina pelas relações internacionais para vacinas.

Cecilia Nicolini (esq.) em reunião do conselho de assessores de Alberto Fernández
Cecilia Nicolini (esq.) em reunião do conselho de assessores de Alberto Fernández - Divulgação

Ela ressalta que se trata de uma questão brasileira e que por isso não vai se meter, destacando também que as agências reguladoras são independentes.

Cecilia atribui as críticas a uma suposta falta de transparência sobre a Sputnik à diferença cultural, aos termos de confidencialidade e ao preconceito com a origem do imunizante. “A Argentina foi o primeiro país a registrar a vacina. Para o Brasil, pensei que seria mais fácil. Há novos estudos, a Argentina já vacinou mais de 6 milhões de pessoas. Rússia, México, Bolívia [estão aplicando]”, diz.

Ela aponta que não há registros de casos adversos importantes em seu país e que os quadros graves de Covid-19 estão em queda. Os governadores do Nordeste têm pressionado pela liberação da importação da Sputnik V. Amapá, Ceará, Maranhão e Piauí acionaram o Supremo. A Anvisa tem dito que faltam informações que atestem segurança e eficácia.

Qual tem sido a importância da Sputnik na estratégia de imunização na Argentina? É uma ferramenta fundamental. Nesse contexto de escassez global, a oportunidade que a Argentina teve de contar com uma vacina que é muito boa, uma das melhores do mundo, que chegou ao país em dezembro, possibilitou que o nosso governo começasse o plano nacional de imunização bem cedo. Estamos avançando, temos que continuar, ainda falta, mas temos chegada quase semanal de vacinas Sputnik V, com impacto muito bom em termos de eficácia, sobre como está respondendo nas pessoas que são vacinadass mesmo com a primeira dose e depois com a segunda. Os casos graves de contágio estão caindo. Os resultados são muito bons.

Quanto ela representa percentualmente na estratégia de imunização? Sem a Sputnik, como estaria a Argentina hoje? Muito mal. Temos quase 9 milhões de doses que chegaram ao país e quase 6 milhões são de Sputnik. Entre 60% e 70% da vacinação da Argentina tem sido feita com a Sputnik.

Começamos muito cedo. A gente teve muita reticência da opinião pública, pois naquele momento, outubro e novembro do ano passado, a Sputnik estava registrada somente na Rússia. Os estudos de fase três estavam sendo feitos, com um bom número de pessoas, 12 mil. Estava avançando.

Aqui no Brasil, a importação da Sputnik tem esbarrado na falta de documentação, segundo a agência de vigilância sanitária do Brasil, a Anvisa. Vocês tiveram o mesmo problema? Vim pessoalmente para a Rússia para conhecer diretamente, os resultados estavam avançando. Isso foi fundamental por duas coisas. A primeira é que o jeito que a Rússia trata vacinas é diferente. Não que seja melhor ou pior, é só diferente. É diferente como fazem o registro de medicamentos. Cada regulador tem suas regras.

A primeira coisa foi conhecer em primeira mão. Falamos com cientistas do [instituto] Gamaleya, com o ministro de Saúde da Rússia, com muitas pessoas para saber se a Sputnik poderia ser uma opção para a Argentina. A ministra de Saúde da Argentina, Carla [Vizzotti], tem muita experiência com vacinas. Ela tem trabalhado com vacinação na Argentina nos últimos 15 anos. Os intercâmbios de informação foram muito bons e promissores, mas ainda faltavam os avanços da fase três, que vinham com bons resultados, e que a equipe da Anmat [agência reguladora da Argentina, equivalente à Anvisa] viesse para a Rússia para inspecionar as fábricas produtoras de vacinas.

Voltamos aqui [Moscou] em dezembro com uma equipe da Anmat, fizemos novas entrevistas, pegamos a documentação sobre avanço da fase três, fizemos inspeções das plantas e tivemos acesso preliminar ao que depois foi publicado no Lancet. É um dado muito bom e aí a Sputnik pegou reconhecimento internacional, mas nós tivemos essa informação antes.

Obviamente que a informação que a gente teve talvez não era 100% aquela que alguém precisa, mas para uso de emergência, como foi com a da Pfizer e da Astrazeneca, um contexto excepcional, a informação foi suficiente. A Anmat é uma reguladora com muita experiência, nível quatro, reconhecida por muitos países.

A principal questão no processo, e talvez seja o caso da Anvisa, é que a opinião pública era muito difícil. A Argentina foi o primeiro país a registrar a vacina. Para o Brasil, pensei que seria mais fácil. Tem mais de 60 países no mundo. Tem novos estudos, a Argentina já vacinou mais de 6 milhões de pessoas. Rússia, México, Bolívia.

É um pouco estranho que a Anvisa… Não sou agência reguladora, elas são independentes, Anmat e Anvisa, mas está bem claro que os resultados da Sputnik são ótimos.

A sra. vê falta de transparência por parte dos russos em relação à Sputnik? Não chamaria de falta de transparência. Quando se negocia, quando há trocas de informação, há diferentes maneiras de fazer as coisas.

Há uma questão cultural também e é importante viajar para cá, conversar, conhecer, até que comece a entender o interlocutor, como que ele faz as coisas. Não chamaria de falta de transparência. Diria que há termos de confidencialidade. São negociações difíceis.

A sra. acredita que existe preconceito com a Sputnik devido à sua origem russa? Claro. Muito. A Sputnik é chamada de vacina russa. A Sinopharm é a vacina chinesa. Mas não tem vacina americana. É a da Pfizer. Astrazeneca não é inglesa. É Astrazeneca/Oxford. Há um componente bem claro.

Experimentamos na Argentina um preconceito ideológico forte. Quando falamos da vacina russa a mídia mostra na TV em desenho ‘soviéticos’. Não entenderam que a Rússia é muito diferente de antes, é um país muito capitalista.

A Rússia tem uma trajetória na área farmacêutica e da biotecnologia muito boa. A Gamaleya tem mais de cem anos. Tem prêmios Nobel.

Acho que a gente tem que ter uma certeza e uma clareza para tentar ser menos preconceituosos e acreditar na ciência. Ir aos dados, analisar, falar com os cientistas. Falar com outros países.

A Argentina começou a vacinação com a Sputnik antes que os resultados da fase três de estudos clínicos fosse concluída pela Rússia. Em geral, a autorização do uso emergencial foi dada a quase todas as vacinas sem concluir [a fase três].

Nenhuma vacina tem tempo de fazer tudo isso. Todos os resultados, Pfizer, Astra, Sputnik, são preliminares. Mas tem que ter um avanço, um certo número de pessoas inoculadas, para que isso possa ser validado. Tem muitos casos na história de medicamentos que foram aprovados assim. Mas não com a relevância que tem agora, uma questão mundial, com países ricos passando pelo problema.

Foi uma estratégia arriscada? A sra. já acha possível dizer com segurança que foi uma escolha acertada? Foi uma escolha acertada, sem dúvida, mas não diria que foi arriscada.

Foi arriscada no sentido que a opinião pública e o conhecimento internacional não estavam no mesmo patamar que o nosso. Fiz três viagens antes de a vacina chegar, levamos a equipe da Anmat à Rússia, havia muita troca de informação, muita informação ainda não publicada.

Quando a gente aprovou, a Anmat, já tínhamos informação. A Anmat dizia que podia aprovar, que era segura e eficaz. Arriscada porque fomos os primeiros, mas com a certeza de que tínhamos informação e evidência científica de que era segura e eficaz.

Como enxerga essa reticência do Brasil em adotar o uso da Sputnik? É uma questão do Brasil, que tem que decidir. Não sei com certeza [quais são] as pressões, mas com certeza é uma questão política. Porque as evidências já estão aí, de resultado e também as experiências vacinando com a Sputnik. Agora é mais uma decisão política.

Mas as agências reguladoras são independentes. Isso é uma decisão, no caso de vocês, da Anvisa, e eu como argentina não vou me meter, mas se a gente puder ajudar, falar com a Anmat, compartilhar a nossa experiência, o que a gente fez, como tem impactado realmente, temos prazer em compartilhar e ajudar em tudo o que for possível.

Para nós é importante que o Brasil tenha um bom plano de vacinação e também os países vizinhos. É uma pandemia global, a região está sendo muito golpeada. É quase a pior região do mundo. A recuperação econômica não vai acontecer se só a Argentina conseguir vacinar sua população. Temos que fazer um esforço regional para que os países da América Latina consigam a vacina. O esforço tem que ser regional, senão não tem propósito.

A agência brasileira diz que não recebeu relatório técnico do Ministério da Saúde da Rússia que ateste qualidade, segurança e eficácia da Sputnik. Como um país que tem utilizado a vacina, como a Argentina tem visto os resultados na prática, por enquanto? Temos um relatório semanal da segurança da vacina desde dezembro que compartilhamos também com a Rússia. Quando tem algo a se destacar uma equipe da Rússia analisa e damos continuidade. Tem muita qualidade o processo. Não é somente validar e aprovar e levar, mas dar continuidade, até porque a Argentina é o país que mais está vacinando com a Sputnik.

É um trabalho muito bom porque continua. Isso é a vantagem de a Sputnik ter um país como a Rússia por trás. Não é somente a vacina, mas um plano de vacinação.

Houve eventos adversos? Que tipo de reações foram registradas? Alguma grave? Grave grave acho que nenhum. Tem os típicos, dor de cabeça, dor no local da vacina, um pouco de febre no dia da vacinação. É uma das vacinas que menos adversos tem até agora. Nada preocupante, como tem acontecido com outras vacinas.

Chegada de lote de vacinas Sputnik V no aeroporto de Ezeiza, na Argentina
Chegada de lote de vacinas Sputnik V no aeroporto de Ezeiza, na Argentina - Juan Mabromata-12.fev.2021/AFP

Há algum temor de que a vacina tenha eficácia abaixo do esperada? Como tem sido o controle de imunizados que se contaminaram depois de tomar a Sputnik —como foi o caso do próprio presidente Fernández? Não há temor. A vacina é uma ferramenta para combater a pandemia, mas não evita os contágios. Em alguns casos, sim, mas em geral o poder da vacina é diminuir os casos graves.

O Fernández quase não teve sintomas. Passou a enfermidade trabalhando, isolado. E mesmo assim, porque foi seu aniversário [um dia antes de ele descobrir que estava com a doença], esteve com algumas pessoas da equipe e ninguém se contaminou.

E essa é outra coisa da vacina. Pode ter contágio do vírus, mas é muito leve, perceptível só pelo [teste] PCR. Foi o caso dele.

A outra questão é que mostra que funciona. Ele tem 62 anos, muito estresse, dorme pouco. Uma pessoa no lugar dele, sem a vacinação, teria passado por uma situação pior. É uma típica resposta boa da vacina. E o que a gente quer dela? Que não precise ir para hospital, não tenha sintomas graves, não precise de intubação.

A Argentina vai começar a produzir a Sputnik localmente. Qual será o impacto disso? Qual é a perspectiva de quantidade de produção? Pensam em exportar a vacina? Fizemos um acordo para produzir a vacina, isso leva entre 12 e 18 meses. Colocar planta, conhecer o processo. Isso é para médio e longo prazo.

O que fizemos foi começar pelo final. Então a partir da planta do [laboratório] Richmond, que já está em funcionamento, vamos começar a fazer a filtração e o envase da vacina. Nos próximos meses chegará o princípio ativo da vacina a granel e na Argentina será feita a fragmentação e o envase da vacina.

A planta tem uma capacidade de produzir 5 milhões de doses por mês, esperamos começar entre junho e julho essa produção, até que possamos fazer a vacina do 'scratch', 'full cycle'. São dois ciclos em paralelo.

A planta da Argentina, na máxima capacidade, poderia produzir até 500 milhões de doses por ano. Isso no longo prazo.

A ideia é que a Argentina possa, em coordenação com a Rússia, fornecer para a América Latina. É uma estratégia importante que a região consiga vacinar as pessoas. Se o ano que vem a questão se repete e ainda temos que vacinar todo mundo, como os especialistas acham que vai acontecer, teremos disponibilidade para vacinar no continente inteiro.

A Argentina tem conversado com os governadores brasileiros para auxiliar na aprovação da Sputnik na Anvisa no Brasil. Segundo o governador Wellington Dias (PT-PI), o governo argentino se dispôs a enviar documentos que auxiliariam na aprovação da vacina pela Anvisa. Que documentos são esses? O que eles podem mostrar? Esses processos tem muita confidencialidade. Deveria haver uma coordenação entre Anvisa, Rússia e Anmat.

Falei com a representante da Anmat, e entre Anvisa e Anmat já tem uma relação de coordenação na qual muitas vezes compartilham documentação, informação. Poderia ser algo fácil.

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