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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Filme brasileiro no Oscar recebe pouco dinheiro e campanha continua ameaçada

Gabriel Martins, diretor de 'Marte Um', diz que terá de correr atrás de mais verba para promoção do longa caso seja pré-selecionado

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Rio de Janeiro

O cineasta mineiro Gabriel Martins tenta manter de pé a campanha de "Marte Um", filme que representa o Brasil no Oscar. Nos EUA para divulgá-lo, ele diz que o apoio de R$ 200 mil dado pela Ancine, a agência do audiovisual, é o mesmo de quatro anos atrás —defasado porque o real se desvalorizou frente ao dólar.

Caso "Marte Um" —que conta a história e os conflitos de uma família negra da periferia de Contagem (MG)— seja pré-selecionado na shortlist da premiação, a ser anunciada no final do mês, o diretor diz que precisará correr atrás de mais financiamento para manter as despesas da campanha.

"Se a gente quer ser competitivo e fazer barulho, infelizmente é com dinheiro mesmo", afirma Martins.

Gabriel Martins usa uma camisa azul e um paletó preto. Ele sorri para foto, na frente de um painel com as logos de algumas marcas, entre elas a Havaianas.
Gabriel Martins, diretor de 'Marte Um', durante o Festival de Filme Brasileiro de Hollywood, em Los Angeles (EUA) - Juan Pablo Rico - 16.nov.22/AFP

A escassez de recursos para a cultura tem afetado a campanha de "Marte Um" pelo Oscar? A gente conseguiu —pelo esforço da nossa produtora e por apoiadores— cumprir a meta deste momento da campanha para fazer algum barulho aqui [nos EUA]. Vamos pagando tudo em dólar e acaba ficando caro. No dia 21 de dezembro sai a shortlist, que são 15 filmes dos 92 países que vão avançar para a próxima etapa. Caso "Marte Um" seja um desses filmes, começa um novo processo para conseguir mais financiamento.

A Ancine apoiou a campanha com R$ 200 mil, o mesmo valor praticado há quatro ou cinco anos. O dólar não é o mesmo, então é um valor defasado. Na prática, não contempla todos os gastos. Se a gente quer ser competitivo e fazer barulho, infelizmente é com dinheiro mesmo. Custa caro fazer sessões aqui nos EUA.

"Marte Um" foi financiado pelo primeiro e último edital para longas-metragens dirigidos por pessoas negras. Do ponto de vista financeiro, fazer filmes se tornou mais difícil nos últimos anos para pequenos diretores? Esse foi o único edital [do gênero], mas, naquele momento [em 2016], também estavam sendo efetivas as aplicações de cotas e ações que visavam mais à democratização desse acesso. Só que a gente viu, mais ou menos na mesma época, com a entrada do [ex-presidente Michel] Temer, essas políticas desaparecendo até serem extinguidas no governo Bolsonaro. Elas ficaram bloqueadas e o cinema brasileiro, respirando por aparelhos.

Isso tem um impacto muito forte na juventude, porque a gente tem que pensar que existia um novo grupo chegando, produzindo curtas, fazendo vários projetos. Quando essas pessoas começam a se interessar em fazer longas-metragens, logicamente o aporte necessário é maior. E, quando isso inexiste, a gente joga esse novo grupo em um limbo.

A falta de editais do governo para a cultura afetou algum projeto seu? É curioso, porque meu último projeto de longa-metragem foi "Marte Um". Desde então, eu estou com roteiros e tenho projetos, mas, na inexistência de editais, não pude viabilizá-los. A gente tentou fazer contato com vias privadas para levantar um próximo projeto, mas, com a pandemia, isso se tornou mais difícil.

No Brasil, nós podemos pensar nos streamings [como Netflix] e produtoras que talvez tenham alguma grana realocada e que possam investir. A gente até tem aberto conversas com esse setor, mas não é sempre óbvio que vai acontecer. Não é de um dia para o outro. E os streamings e a Globo Filmes não vão conseguir comportar todos os projetos. Daí a importância dos editais.

Quais são as expectativas para a atuação do próximo governo na cultura? Na minha opinião, a prioridade é entender o que foi deixado lá atrás. Se a gente quiser um cinema que é público, o foco é dar a ele uma cara efetivamente diversa e pensar quem, no corpo de artistas, é desfavorecido. Pensar, por exemplo, como voltar com arranjos regionais, que foram uma política do governo Dilma e Lula. Isso fez com que o dinheiro circulasse além do mercado Rio-São Paulo.

A gente tem estatísticas provando como as leis Aldir Blanc e a Paulo Gustavo [de incentivo à produção] podem ser efetivas. E a Ancine [com seus editais] é esse centro necessário para o cinema brasileiro poder produzir.

Falando sobre diversidade, a Lei Rouanet, por exemplo, já concentrava a captação de recursos no Sudeste durante os governos petistas. Como distribuir o dinheiro para além dessa região? Existe um entendimento ainda muito turvo sobre como ela poderia ser efetiva. O cinema é diferente de um grande show em que a marca [o patrocinador] esteja mais visível. O cinema ainda vive uma série de dificuldades de distribuição. Não é um caminho tão óbvio a operação da Lei Rouanet, porque essa captação é muito difícil. Isso é histórico no Brasil.

Existem coisas que podem ser feitas. Primeiro, um projeto de transparência para aproximar as artes do público. Muitas pessoas não entendem porque é importante aplicar dinheiro em cultura e, por isso, que [esse setor] foi tão atacado nos últimos anos.

Tudo isso também passa por investidores, que poderiam estar mais presentes e mais próximos na captação de recursos para que até os próprios artistas possam entender melhor [esse processo]. Hoje, um jovem que sai da faculdade não faz ideia de como captar em um projeto. E, paralelamente, tem a importância dos fundos, que são incentivos diretos do governo que não precisam da mediação de uma empresa.


Raio-X

Gabriel Martins

Idade: 34 anos

Carreira: Nascido e criado em Contagem (MG), fundou a produtora Filmes de Plástico, em 2009, com outros três amigos. "Marte Um", lançado neste ano, é o seu segundo longa-metragem, mas o primeiro que dirige sozinho. O filme foi escolhido para representar o Brasil no Oscar.

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