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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu Fies Enem

Brasileiro perderá dois terços da renda se país não investir em capital humano

Economista do Banco Mundial afirma que crianças nascidas na pandemia tiveram perdas que afetarão 60% de sua capacidade futura

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Brasília

Os brasileiros que nasceram no início da pandemia só chegarão à fase economicamente ativa com 60% de seu potencial humano, insumo que o economista-chefe para Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, Norbert Schady, chama de chave para o avanço de uma economia.

Para ele, essa década perdida pode ser compensada, caso o governo turbine, principalmente, a educação básica. Mas se nada ocorrer, os efeitos no bolso desses futuros trabalhadores se converterá em rendimentos um terço menores do que se tivessem acesso à escola e à saúde sem nenhum tipo de restrição.

O economista-chefe para Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, Norbert Schady
O economista-chefe para Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, Norbert Schady - Divulgação

Schady está no Brasil e participará de um debate sobre o tema promovido pela Fundação Lemann e pelo Banco Mundial, que será transmitido pelo canal do YouTube nesta quinta (24) a partir de 14h30.

Como se mede o Índice de Capital Humano?
Observamos três componentes no desenvolvimento de uma criança. Primeiro, a probabilidade de que ela sobreviva até a idade escolar de 5 anos. Se isso ocorrer, por quanto tempo será provável que permaneça na escola e quanto ela aprenderá. Por fim, medimos o ambiente de saúde em que a criança crescerá. Enfim, o índice, o ICH, estima a produtividade futura da criança média nascida hoje, em comparação com o que ela alcançaria com educação completa e boa assistência médica.

Como apenas dois anos prejudicaram tanto a capacidade humana dos brasileiros nascidos na pandemia?
Choques como a pandemia podem desviar indivíduos de seu curso, reduzindo os níveis de acumulação de capital humano. Essas quedas podem se traduzir em uma redução de 25% nos rendimentos quando essas crianças chegarem à idade adulta.

A evidência indica, por exemplo, que os alunos da pré-escola no Rio de Janeiro perderam, em média, quatro meses de aprendizado em 2020, e as maiores perdas foram vivenciadas por crianças de famílias desfavorecidas.

Quando analisamos dados da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua], verificamos que as matrículas na pré-escola também diminuíram e permaneceram mais de 13 pontos percentuais abaixo do previsto no fim de 2021 em comparação com o que teria sido esperado na ausência da pandemia.

[No mundo] Quase 1 bilhão de crianças em países de baixa e média renda perderam pelo menos um ano de aulas presenciais. No Brasil, em média, as escolas ficaram fechadas por cerca de 280 dias na pandemia. Apesar dos esforços de ensino remoto, em média, os alunos aprenderam muito pouco, o que resultou em graves perdas de aprendizado.

O número de jovens desempregados e sem matrículas escolas ou treinamentos aumentou, atingindo 22% no último trimestre de 2021. Houve uma década perdida para a acumulação de capital humano no Brasil.

Como isso impacta no PIB?
Deixar de promover todo o potencial de talento tem implicações. Uma educação adequada e boa saúde para cada criança proporcionariam ao Brasil, em 30 anos, um PIB per capita 2,5 vezes maior que o de 2019. O índice mais recente no Brasil sugere que a criança média nascida em 2019 só será capaz de alcançar 60% do seu pleno potencial como adulto. Isso custará ao país um terço de sua renda a longo prazo.

Quantas décadas essas crianças precisariam para se recuperar de tal dano?
As pessoas que tinham menos de 25 anos quando a pandemia começou constituirão 90% da força de trabalho em 2050. Isso sugere a questão: o que os países podem fazer? A boa notícia é que existem estratégias para recuperar essas perdas.

Quais?
Estender a cobertura da educação pré-primária e melhorar seu conteúdo são bons exemplos. Para crianças em idade escolar, simplesmente tê-las de volta à escola não será suficiente. Uma criança que parou de frequentar a escola na segunda série e ficou em casa por um ano não será capaz de acompanhar o currículo da quarta série. Será importante adequar a instrução aos níveis de aprendizado desses alunos. Aumentar o tempo de instrução e programas de recuperação, como tutorias, também pode reverter as perdas de aprendizado.

As perdas de capital humano poderiam ter sido evitadas se o governo do Brasil à época tivesse adotado políticas diferentes?
O fechamento das escolas durou tempo demais na maioria dos países. Crianças em idade pré-escolar perderam mais de 34% da aprendizagem em linguagem e alfabetização e mais de 29% da aprendizagem em matemática, em comparação com as turmas pré-pandêmicas.

Entre as crianças em idade escolar, em média, para cada 30 dias de fechamento de escolas, os alunos perderam cerca de 32 dias de aprendizagem.

Então, o resultado do Brasil está em linha com outros países emergentes?
As escolas estiveram completamente fechadas em média 44% do tempo. No Brasil, elas estiveram parcialmente ou totalmente fechadas por 90% do tempo entre 1º de abril de 2020 e 31 de março de 2022.
Dados da PNAD mostram que, até 2021 no Brasil, após a reabertura das escolas, houve uma queda de um ponto percentual nas matrículas de crianças em idade escolar. Isso significa que cerca de 400.000 crianças e jovens em idade escolar deixaram de frequentar a escola.

Alunos da pré-escola no Rio de Janeiro perderam, em média, quatro meses de aprendizado em 2020. Isso é semelhante às perdas no Uruguai e ligeiramente abaixo na comparação com o Chile.

Em Sobral (CE), foram de seis a sete meses de aprendizado. As matrículas na pré-escola também diminuíram e estavam mais de 13 pontos percentuais abaixo dos níveis pré-pandêmicos no final de 2021. Essa queda foi um pouco maior do que em outros países da América Latina e Caribe onde existem dados disponíveis, incluindo Argentina, Colômbia, México e Uruguai.

Em todos os países, as quedas nas matrículas escolares foram maiores entre as crianças de famílias de baixa renda.

Qual o impacto sobre os jovens?
O número de jovens que não estavam empregados nem matriculados em escolas ou treinamento aumentou substancialmente, atingindo 22% no último trimestre de 2021. Ficar desempregado ou ter um emprego mal remunerado ao entrar no mercado de trabalho pode deixar marcas: estima-se que o impacto possa durar até 10 anos. No fim de 2021, o emprego jovem até retomou a taxa de crescimento pré-pandêmica, mas ela vem sendo relativamente baixa pelo menos desde 2011.


RAIO X | Norbert Schad, 56

Formação: Bacharel em História pela Universidade de Yale (EUA) e Doutor em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton (EUA).

Carreira: Economista-chefe para Desenvolvimento Humano do Banco Mundial; conselheiro econômico principal para o Setor Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); economista sênior do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento do Banco Mundial.

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