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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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STF julga disputa com usineiros de até R$ 120 bilhões para governo

Governo tenta rever perícias de usinas prejudicadas por intervenção em preços nos anos 1980

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São Paulo

A segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) julga na próxima terça (11) o recurso extraordinário de um precatório que reacende uma antiga disputa com o setor sucroalcooleiro e pode criar uma dívida de até R$ 120 bilhões para o caixa do governo nos próximos anos.

No centro desse debate estão as reparações pleiteadas por usineiros pelo tabelamento preços na década de 1980 para controlar a inflação no país.

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal - Gustavo Moreno/SCO/STF

O valor total estimado desses precatórios (títulos de dívida transitadas em julgado) ultrapassa os R$ 60 bilhões, porém cálculos do governo apontam que o montante real representa o dobro disso, o que promoveria um rombo nas contas públicas no momento em que o governo enfrenta desgaste com o empresariado devido à situação fiscal do país.

Histórico

Em 1989, foi celebrado um acordo sob o qual o governo se comprometeu a pagar os danos ocasionados às usinas pelos quatro anos anteriores de intervenção nos preços.

Seria levado em consideração índices técnicos apurados pela FGV no período de interferência nos preços com reajustes mensais do governo para recompor as perdas.

Em fevereiro de 1990, o acordo foi descumprido. O governo não apenas deixou de reajustar os preços, mas voltou a segurá-los para controlar a inflação dos alimentos e combustíveis, que em março daquele ano chegou a 82%.

Dali em diante, uma enxurrada de processos tomou o Judiciário, que os examina até hoje.

Pelas regras estabelecidas em casos de usinas julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pelo próprio STF, todo tipo de sentença transitada em julgado, sob as quais não cabem recursos, não poderiam mais ser revistas.

Em 2013, durante a análise de um caso sobre o tema, o STJ estabeleceu que as usinas teriam direito a um novo cálculo de perdas naquele período, que levasse em conta seu prejuízo efetivo, com base em balanços individuais de dano nas operações daqueles anos. O governo não apresentou recurso contra a decisão.

Em 2020, o STF julgou a revisão e reconheceu sua validade.

Revisão perigosa

Agora, o governo tenta encontrar brechas legais para rever as perícias, inclusive as de casos com sentenças definitivas.

A AGU (Advocacia-Geral da União) avalia que não é problema pagar o que é devido às usinas, mas afirma que é preciso um pente-fino para definir os valores com a maior exatidão possível.

Para o caso em discussão na 2ª turma, que envolve a Jales Machado, o valor definido para o precatório 12 anos atrás era de R$ 74 milhões.

Em nota técnica enviada ao governo sobre o caso, o economista José Roberto Afonso explicou que a estratégia adotada pela União pode se mostrar perigosa. Ele explica que revisões de perícias podem apontar defasagens anteriores, levando ao encarecimento das indenizações.

Como exemplo, ele apontou oito casos nos quais foi pedida uma nova perícia após a sentença transitada em julgado. Os valores aumentaram, em média, 337%.

Em um deles, a perícia original havia determinado o pagamento de indenização de R$ 546,1 milhões, porém a reabertura da análise de prejuízos estimou um valor atualizado em R$ 5,1 bilhões, aumento de 840%.

Outro caso na mesma condição, o valor da perícia apontada inicialmente era de R$ 183 milhões, porém com a revisão dos prejuízos se estabeleceu um valor menor, de R$ 89 milhões.

Segundo o economista, alguns fatores explicam o fenômeno, como a adição de novos períodos de danos após laudo original, juros e atualização monetária, correção de equívocos da base de cálculo, entre outros.

Ele também argumenta que uma nova revisão pode prejudicar pequenos produtores e menos organizados, que não possuem registros contábeis de quase 40 anos atrás, diferente das grandes empresas que publicavam seus balanços em jornais.

O tributarista Fernando Scaff, que enviou parecer ao STF na última quinta (6), afirma que existe ainda um outro problema na revisão desses precatórios, agora envolvendo títulos que foram comercializados no mercado e já utilizados em outras transações.

"O impacto nos mercados será forte e imediato, pois há processos transitados em julgado que, por exemplo, foram definitivamente pagos por meio de precatórios, negociados entre empresas, serviram de lastro em operações financeiras, cedidos a instituições financeiras e fundos de investimentos, utilizados para o cumprimento de planos de recuperação judicial e negociados com o Poder Público para quitar passivos tributários", explica o advogado no parecer.

Dessa forma, avalia Scaff, o governo cria insegurança jurídica não só para as empresas envolvidas, mas em todo o mercado de compra e venda de precatórios.

Com Diego Felix

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