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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu Governo Lula

FGTS: Para encerrar saque-aniversário, ministro propõe consignado privado

Luiz Marinho afirma que medida será enviada ao Congresso nas próximas semanas; bancos não querem trava em juros

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Brasília

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, relaciona a terceirização, sacramentada pela reforma trabalhista, com o trabalho análogo à escravidão. Para ele, as mudanças fragilizaram os sindicatos e o trabalhador ficou sozinho, porque o que vale é o negociado sobre o legislado.

"Passamos do ponto e estamos voltando para a idade medieval", disse em entrevista ao Painel S.A.

O ministro do Trabalho Luiz Marinho, em seu gabinete, em Brasília
O ministro do Trabalho Luiz Marinho, em seu gabinete, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

Descrente da abertura dos parlamentares para esse debate no curto prazo, ele ataca questões pontuais. Nas próximas semanas, deve enviar ao Congresso uma medida prevendo o fim do saque-aniversário do FGTS pelo consignado para a iniciativa privada.

FGTS
Temos cerca de R$ 100 bilhões do FGTS alienados em operações de consignado de aposentados e servidores com instituições financeiras. É dinheiro a menos para financiar coisas como o Minha Casa, Minha Vida. Ocorre que o trabalhador precisa de crédito mais barato.

Bloqueio
A essência do FGTS é ser uma garantia em caso de desemprego. Há cerca de oito milhões de demitidos que tinham feito o consignado. Eles tinham saldo [mais que suficiente] no fundo [para pagar o empréstimo], mas ficou tudo bloqueado, porque a lei [do consignado] não permite saque por dois anos. Se uma pessoa tinha R$ 30 mil na conta e fez um consignado de R$ 15 mil, ela não pôde sacar os R$ 15 mil restantes [na demissão].

Restrição
Isso é ruim também para o fundo, porque esse dinheiro fica bloqueado para financiar habitação e saneamento. Esses oito milhões de trabalhadores empenharam somente R$ 5,5 bilhões em consignado, mas essas operações bloquearam cerca de R$ 20 bilhões do fundo.

O ministro Luiz Marinho (Trabalho) e o presidente Lula (esq.)
O ministro Luiz Marinho (Trabalho) e o presidente Lula (esq.)

Consignado privado
Para corrigir isso, vamos enviar ao Congresso nas próximas semanas o fim do saque-aniversário. E, para facilitar a aprovação no Congresso, vamos liberar o crédito consignado para a iniciativa privada. Hoje essa modalidade não chega a 1 milhão de contratos, porque precisa de autorização do empregador, um convênio firmado. Com as novas tecnologias, o próprio sistema do e-Social trará um ícone para que, sem interferência do empregador, ele seja simplesmente notificado da operação feita pelo trabalhador.

Trava de juros
Eu sempre gosto de ter teto, mas vamos ver essa questão com o Congresso. Os bancos resistem, mas se o teto for razoável, aceitam discutir. Eles sempre querem moleza, mas moleza nem sempre é possível. Somos razoáveis, não há visão leonina para que o trabalhador tenha crédito a um juro razoável e o FGTS seja preservado. Os bancos não se preocupam com o lastro do fundo e trabalham com os dois [saque-aniversário e consignado]. Se eu permitir isso [juros sem limite], vou criar condições para endividar o trabalhador como nunca aconteceu na história.

Reforma
Acho que precisa rever a reforma, não totalmente. O Congresso tem uma ala refratária a qualquer tema ligado ao trabalho, a não ser que seja para tirar mais direitos [do trabalhador]. Não vai chegar a lugar bom. Do jeito que está, a terceirização virou irmão gêmeo do trabalho escravo.
Não estou acusando o empresário brasileiro. Veja o que ocorreu na cadeia do vinho. O produtor contratou uma empresa, que subcontratou, e, no fim, ele não sabia que havia 200 pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão. O fato de não saber não tira a responsabilidade.

STF
A terceirização existe desde que o mundo é mundo. Não é disso que se trata e, sim, o Supremo ter equivocadamente respaldado a visão medieval que o Congresso aprovou. Você tira o poder do sindicato e o que vale é a livre negociação. Isso levou à degradação, ao trabalho precário. O ministro [Luís Roberto] Barroso [presidente do STF] montou um grupo que está conversando sobre isso. Acho que passamos do ponto. Tem que resgatar o poder dos sindicatos.

Congresso
É proibido falar ‘vamos rever a reforma trabalhista’. Não vamos enviar projeto para buscar introduzir essas questões. É pecado. Estamos indo pontualmente, tentando convencer os presidentes [de partidos], as lideranças, para, a partir daí, chegar ao núcleo. Não haver convenção coletiva [para uma categoria] é um atraso. Você volta para a situação medieval.

Sindicalismo
Tem gente que fala ‘sindicato tem que acabar’. Mas não existe o indivíduo no coletivo. Ele precisa compor para dar um coletivo. O mundo empresarial nas suas representações também está com problema. Eu pergunto, a empresa individual pode recusar a pagar o Sistema S? Porque [as contribuições] são por sindicato de trabalhadores.

Justiça
Mesmo o trabalhador tendo de arcar com custas judiciais, há muita ação. Aí o Supremo ainda manda questões de relação de trabalho para a Justiça comum, que não entende nada desses assuntos. Não é obrigação deles, eles não estão preparados para isso, tem uma justiça especializada.

Tecnologia
O Brasil fez uma opção há décadas de manter os frentistas. [A profissão] Podia ter acabado há duas décadas. Essa opção do Brasil foi certa ou errada? Vamos acabar com os caixas de comércio? O uso de tecnologias como meio de melhorar a qualidade de vida, tecnologia, inteligência artificial, como é que ele tem que ser tratado? Vamos deixar que naveguem livremente sem regular? Isso não pode acontecer, senão vamos ver novos milionários e mais miséria, fome e exclusão não só no Brasil, no mundo inteiro.


RAIO-X | Luiz Marinho, 64

Formado em Direito, foi metalúrgico nos anos 1970, quando conheceu o presidente Lula. Em 1996, foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cargo para o qual reconduzido mais duas vezes (1999-2002 e 2002-2003). Deputado federal eleito, já foi ministro do Trabalho de 2005 a 2007 e da Previdência de 2007 a 2008. Comandou a prefeitura de São Bernardo do Campo por dois mandatos

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