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Favelas precisam de nova abordagem na educação

Grades acadêmicas ofertam enxurrada de conteúdo sobre hemisfério norte e pouco sobre urbanismo social e urgências de periferias brasileiras

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Ester Carro

Arquiteta e urbanista social, pesquisadora no Núcleo de Mulheres e Território do Laboratório de Cidades (Arq. Futuro e Insper) e CEO do Fazendinhando

Há cerca de três meses, meu filho de oito anos perguntou: "Mamãe, o que é favela?". A pergunta me pegou desprevenida.

Quando eu tinha essa idade, não recordo de ter realizado tal questionamento aos meus familiares. Muito pelo contrário: eu me contentava com notícias de diferentes canais de comunicação de que favela era um lugar pobre, precário, onde só existiam mortes e traficantes.

menina negra de vestido rosa posa em mureta que dá de frente para a favela de Paraisópolis, repleta de casas logo acima de avenida movimentada
Ester Carro é arquiteta e presidente da ONG Fazendinhando, que atua no Jardim Colombo, em São Paulo - Folhapress

Hoje, adulta, pude enfim recordar esse passado e responder, a partir das minhas vivências, que a favela inova, a favela cria, não é problema e não deve ser marginalizada.

Conclui afirmando que a favela é potência, não é carência, frase conceito criada por Celso Athayde, empreendedor social e líder da Favela Holding.

Mesmo sendo excluída e ignorada por muitos, sendo explicada apenas pela pobreza, carência e precarização, é ali que se encontram soluções próprias e inovadoras para problemas que a sociedade ainda não resolveu.

Da escola à universidade de arquitetura, nunca obtive conhecimentos técnicos, dados e informações voltados para favelas brasileiras.

O pouco que consegui abstrair e entender veio de esforços pessoais e dos meus professores quando o estudo estava concentrado em planos de urbanização, na leitura de dissertações de mestrado e teses de doutorado ou em atividades de extensão na graduação. Ao se tratar de referências, a situação era ainda pior, pois simplesmente não existiam.

Dizer que eu morava na favela em entrevistas de trabalho ou em rodas de conversas me causava medo de ser julgada incapaz de exercer alguma função ou de adquirir respeito e confiança. Isso me levava a esconder meu CEP e minhas origens.

Hoje a sociedade possui uma visão um pouco menos distorcida das favelas graças à luta intensiva de movimentos sociais, organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias que dedicam suas vidas em benefício de um bem comum, no desenvolvimento territorial e impacto social.

Entretanto, nas bases escolares, o debate e o ensino permanecem rasos, sem conteúdo na grade curricular, sem informações atuais desses territórios ou o devido reconhecimento de sua potência.

Durante anos de pesquisa e trabalhos no eixo social, tive contato com diferentes estudantes e profissionais da área de arquitetura que compartilhavam das mesmas inquietudes.

Relatavam a falta de caminhos que grades acadêmicas ofertavam no âmbito do empreendedorismo, da arquitetura e do urbanismo social.

Dentro dessas trocas riquíssimas, Karol, da Kopa Coletiva, certa vez comentou sobre a dificuldade de se enxergar no mundo acadêmico, sobretudo o da arquitetura, pois as aulas não refletiam sua realidade. Não existia favela, déficit habitacional, lei de athis, ou qualquer problema real e próximo do seu dia a dia, sendo frustrante e desafiador concluir o curso.

Kézia, que hoje atua no Viva Arquitetura Popular, conta que muitos professores acham que moradores de periferias recorrem a doações e que, para ser arquiteto popular, é preciso viver de doações. Kézia se sentia um "gnomo" na residência de arquitetura, porque causava estranheza quando falava sobre empreendedorismo social, já que ninguém entendia.

"O debate e o ensino permanecem rasos, sem informações atuais desses territórios ou o devido reconhecimento de sua potência"

Ester Carro

Arquiteta

Ygor Santos, arquiteto e urbanista, explica que não há disciplinas específicas sobre favelas, projetos em cenários de hipervulnerabilidade ou trabalhadores da construção civil.

Como se não bastasse esse afastamento do contexto nacional, o que se vê é uma enxurrada de conteúdo do hemisfério norte que em nada dialoga com nossa realidade de urgência.

A favela não é um mundo a parte da sociedade. Dados da ONU de 2022 mostram uma faceta cruel da desigualdade social: um a cada oito habitantes do planeta Terra vive em favelas ou casas inadequadas, sem acesso à água e ao esgoto, e com mais de três pessoas por cômodo.

Dado que comprova que a favela não pode ser ensinada, no meio acadêmico, somente com matérias optativas. É preciso um novo olhar sobre esse território na estrutura curricular de ensino público e privado.

A favela segue produzindo conhecimento. Ela traduz, representa e reelabora percepções, sonhos, desejos e anseios de seus moradores.

No âmbito educacional, é caminho para a quebra de muros e preconceitos e produz clareza e consciência quanto às competências coletivas que todos devem exercer para a melhoria de nossas cidades.

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