Imagine se existisse no Brasil um mecanismo que permitisse empresas e indivíduos destinarem recursos para causas socioambientais, sem riscos de conformidade legal. Além disso, que servisse de instrumento para defesa de políticas públicas sem partidarismos.

Esses mecanismos existem. São cerca 900 nos Estados Unidos, 201 no Canadá e 20 no México. Eles são comumente chamados de Fics (Fundações e Institutos Comunitários).

As Fics são organizações da sociedade civil independentes que atuam fortalecendo a filantropia local, captando recursos para que organizações sociais executem seus projetos.

O Brasil conta hoje com 14 Fics em dez estados. Entre elas, estão a Feav (Fórum das Entidades Assistenciais de Valinhos), o Instituto Cacimba, a Manauara Associação Comunitária, e o recém-formado Icose (Instituto Comunitário do Sergipe).

Todas elas integram o programa Transformando Territórios, lançado em 2021 pelo Idis –Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social-, organização financiada pela Charles Stewart Mott Foundation, com apoio institucional da Brazil Foundation e do Gife.

A maior parte das Fics brasileiras já conta com fundos filantrópicos constituídos para captar e distribuir recursos para organizações e iniciativas de seus territórios.

Elas fomentam campanhas como o "Dia de Doar", promovem iniciativas para o engajamento de voluntários e oferecem capacitações para líderes locais.

Algumas delas atuam também como porta-vozes de outras organizações sociais perante o poder público, defendendo a regulamentação de fundos de direitos, o desbloqueio de recursos e mudanças legislativas.

A legitimidade para representar o setor social vem do fato de não ser vocação das Fics a operação dos projetos diretamente. O papel delas é canalizar recursos para as organizações que operam na ponta.

As experiências bem sucedidas têm provocado algumas mudanças no setor. Segundo a pesquisa Bisc –Benchmarking do Investimento Social Corporativo-, 38% das empresas pesquisadas indicaram algum grau de prioridade para apoios às Fics em 2022 e 2023.

No setor industrial, 75% dos respondentes afirmam ter incluído as Fics em sua estratégia de investimento social.

Cabe notar que as Fics são, antes de tudo, importantes intermediárias entre doadores e OSCs, buscando atender aos interesses filantrópicos dos doadores, mas sempre de olho nas demandas locais.

Essa possibilidade de acumular recursos para direcionar futuramente é análoga ao funcionamento das cisternas que armazenam água visando a utilização em momentos estratégicos ou de maior necessidade.

Ao consolidar e gerir doações de terceiros, as Fics ficam encarregadas de toda a diligência, acompanhamento e prestação de contas sobre o uso desses recursos.

Isso permite, por exemplo, que grandes empresas financiem projetos e organizações menores e até mesmo movimentos e coletivos informais, pois a Fic estará ali, atuando como um "pára-raio" de compliance.

Por fim, mas não menos importante, a visão privilegiada do território, permite às Fics servirem como porta-vozes para que o setor social local lute por mudanças em políticas públicas sem estar diretamente exposto perante autoridades.

A Fic atua como um ‘guarda-chuva’ para que as lideranças sociais não se molhem desnecessariamente no jogo político e de poder.

Esse conjunto de características faz das Fics mecanismos potentes para uma filantropia mais ativa, efetiva e duradoura em um território. Seja ele um bairro, uma cidade, um estado ou mesmo um território que compartilhe afinidades e identidades socioambientais.