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Não basta prender, é preciso recuperar

Lei que extingue saídas autorizadas dificulta reintegração social dos presos e favorece impunidade

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Valdeci Ferreira

Advogado e teólogo, é diretor do Ciema (Centro Integrado de Estudos do Método Apac) e vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2017

A pena no Brasil tem uma dupla finalidade: punir e recuperar. Punir é do caráter retributivo da pena, e recuperar é da sua essência.

Nesse caso, quando o sentenciado, após cumprimento de pena privativa de liberdade, sai da prisão pior do que entrou e reincide no crime, significa que a pena não alcançou seu propósito, ocasionando uma enorme perda de tempo e de recursos públicos.

Não por acaso, segundo o anuário Justiça em Números, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), lançado em 2011, o círculo vicioso do "prende e solta" alcança índices de reincidência de 70%.

Presos sentados, com a cabeça abaixada
Lei de Execução Penal visa proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado

Foi esse o contexto que norteou os trabalhos da comissão que se debruçou com afinco na elaboração da Lei de Execução Penal, de 11 de julho de 1984.

Uma lei moderna, inspirada na legislação de países mais avançados em matéria penal, que consagrou direitos e deveres das pessoas presas e garantiu a progressividade de regimes —fechado, semiaberto e aberto.

A legislação regulamenta saídas autorizadas em datas comemorativas para aqueles que se encontram no regime semiaberto e que possuem mérito. Além disso, estabelece outros dispositivos que permitem ao sentenciado progredir gradualmente rumo à liberdade, sempre com vistas a proteger a sociedade.

Entretanto, sob o argumento da inexistência de vagas nas casas de albergados, nos últimos anos, os presos condenados em regime aberto (pena de até 4 anos) são automaticamente beneficiados com a prisão domiciliar, raramente fiscalizada.

Da mesma forma, sob a justificativa absurda da falta de vagas em regime semiaberto em colônias agrícolas, industriais ou similares, diversos estados passaram a substituir a sanção que deveria ser de privação de liberdade (pena de 4 a 8 anos) para regime semiaberto domiciliar.

Em alguns estados, tal regime foi denominado semiaberto harmonizado, o que significa permanecer em casa com uso de tornozeleiras —que além de serem facilmente burladas, indicam no máximo onde a pessoa se encontra, jamais o que ela faz.

Vale registrar que, em diversas comarcas do Brasil, os presos simplesmente vão para casa após a decretação da sentença, dada a inexistência de dispositivos eletrônicos.

Entretanto, existem magistrados e membros do Ministério Público que resistem bravamente ao retrocesso da Lei de Execução Penal, pois sabem que seu cumprimento integral contribui para a recuperação do delinquente, e, por conseguinte, promove a proteção da sociedade. Mas essas vozes se tornam cada vez mais isoladas.

Como se não bastasse, recentemente, deputados e senadores aprovaram a Lei 14.843/2024, valendo-se de um casuísmo. Essa lei extinguiu o instituto das saídas autorizadas, que servia como período de prova para avaliar se o sentenciado estava apto a progredir para um regime mais brando de cumprimento de pena.

Acabou-se de vez a possibilidade de o preso ser reintegrado ao seio da sociedade paulatinamente, em vez do modo abrupto como já vem ocorrendo.

Tudo indica que a decisão dos parlamentares contribuirá tão somente para acelerar o fim do regime semiaberto nas comarcas onde ele ainda é aplicado. Aqueles que acreditavam ter extinguido os 35 dias de saídas autorizadas em família agora passarão a conceder 365 dias de impunidade.

E, mais uma vez, será a comunidade a arcar com os prejuízos.

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