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Glauter Del Nero

A saída temporária de presos deve ser revista? NÃO

Não é benesse ou recompensa, mas sim instrumento de reinserção social

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Glauter Del Nero

Advogado criminalista e mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, é professor da Pós-Graduação em Direito Penal e Processual do Mackenzie e membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB-SP

Às vezes é preciso dizer o óbvio. No caso: mais punição não equivale, necessariamente, a mais segurança. Endurecer penas, regimes e revogar institutos historicamente consagrados e comprovadamente exitosos não ajuda a tornar a sociedade mais segura. A saída temporária não é uma autorização para cometer crimes, muito menos um privilégio incompatível com a situação de quem está preso, de modo que a sua revogação, tal como recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados, é medida panfletária e que beira a irresponsabilidade.

Ao contrário do que se possa imaginar, conceder a saída temporária a quem preenche os requisitos legais para tanto —estar em regime semiaberto, cumprir um sexto da pena, se primário, ou um quarto, se reincidente, e ostentar bom comportamento—, não apenas é fazer aquilo que manda a lei como, também, é viabilizar a harmônica reinserção do apenado ao convívio social, um dos objetivos centrais da Lei de Execução Penal brasileira.

A premissa é simples: considerando que, acertadamente, o Brasil não possui penas perpétuas ou capitais —salvo raríssimas exceções—, fato é que, mais cedo ou mais tarde, a pessoa que está encarcerada terminará o cumprimento de sua pena e será colocada em liberdade. As dúvidas que ficam, então, são: como isso será feito? De que forma essa pessoa retorna ao convívio social? Como será sua adaptação depois de ter estado presa? São essas as perguntas que, sinceramente, deveriam estar sendo feitas e não estão.

Não por acaso, o sistema de execução penal é estruturado de forma progressiva, justamente de modo a minimizar os impactos dessa retomada da vida em sociedade.

No regime fechado, o mais rigoroso, a vigilância do Estado é total, e a liberdade do apenado mínima em razão do seu encarceramento em uma unidade prisional. No regime semiaberto, por sua vez, o apenado pode eventualmente sair para trabalhar ou estudar, retornando em seguida. Por último, no regime aberto, a ideia é que o apenado esteja submetido a uma menor vigilância estatal, de modo a demonstrar autodisciplina e senso de responsabilidade, o que se vincula necessariamente a estar trabalhando ou em vias de fazê-lo; tudo isso, como dito, buscando a sua reintegração ao convívio social.

Nesse contexto, a saída temporária é instrumento fundamental, na medida em que busca restabelecer e fortalecer os laços familiares, afetivos e sociais daquele que foi privado de sua liberdade. Longe de constituir benesse ou recompensa, portanto, esse instituto traduz-se em efetivo mecanismo de aproximação entre o apenado e a realidade cotidiana da qual ele se encontra privado, possivelmente há anos.

Prova da eficácia da medida é o baixíssimo índice de evasão dos apenados, que atualmente estima-se ser inferior a 5%. Quer dizer, de todos os presos que fizeram jus à saída temporária, 95% deles, em média, regressaram ao estabelecimento prisional para continuar o seu cumprimento de pena normalmente, o que significa que não cometeram novos crimes e que também não se evadiram.

Diante desse cenário, parece difícil justificar, racionalmente, a revogação de uma política pública com mais de 95% de sucesso naquilo que se propõe a fazer, o que, aliado à ausência de dados concretos a respeito de um suposto aumento da criminalidade ou da violência no período das saídas temporárias, nos leva a crer que a aprovação do projeto de lei que revoga integralmente a saída temporária não passa de uma iniciativa populista, com forte apelo eleitoral e nenhum fundamento racional ou técnico.

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