Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Vendo a tempestade passar

Folha poderia ter usado a tragédia no Rio para discutir políticas públicas

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Os relatos dramáticos e as imagens impressionantes circulavam desde o começo da noite de segunda-feira, 8 de abril. O Rio de Janeiro fora atingido pela maior tempestade em 22 anos. A chuva começou no final da tarde e não deu trégua durante toda a terça-feira, 9.

Não foi pela Folha que o leitor soube da dimensão do que estava acontecendo na capital fluminense. O modo como o assunto foi editado na versão digital durante a noite de segunda e o dia da terça-feira já indicava que o jornal minimizaria a cobertura em sua versão impressa do dia seguinte.

A primeira página da quarta-feira, 10, foi o reflexo da insensibilidade jornalística da Folha, mais de 24 horas depois do início da tempestade.

Carvall

A imagem em destaque no alto era a de uma fila de pessoas no vão-livre do Masp, em São Paulo, aguardando para entrar nas exposições de Tarsila do Amaral e Lina Bo Bardi. Nas páginas internas, nem havia reportagem a respeito.

A tragédia com dez mortos na cidade brasileira mais emblemática e internacional merecera apenas uma foto no meio da página seguida por título pequeno e legenda discreta.

O caderno Cotidiano dedicou sua capa ao Rio, com longo texto descrevendo os principais fatos, focando especialmente na ação (ou ausência de ação) da prefeitura. Publicou-se uma segunda reportagem sobre o caso da avó e neta que morreram soterradas dentro de um táxi. Houve espaço para destacar que jacarés (que talvez fossem lagartos) ficaram soltos em um bairro.

Nada se contou de histórias de medo, solidariedade e mesquinhez, dos inúmeros casos de pessoas que não voltaram para casa, de crianças resgatadas de van escolar ilhada na inundação, de grupo que dormiu em uma casa de shows depois de um cinema ter negado abrigo e pipoca, da loja de colchões que abriu as portas para dar conforto a pessoas que não podiam voltar para casa, enquanto o shopping em que se localizava apagou as luzes e fechou os banheiros.

Nenhum infográfico foi produzido para explicar uma chuva de tal ordem. Não houve a iniciativa em reunir vídeos e fotos que mostrassem os incontáveis dramas que se sucederam.

Na sexta-feira, o país acordou com a desabamento de dois prédios construídos irregularmente pela (ou a mando da) milícia na zona oeste do Rio. Só a Folha não editou no alto de suas versões digitais a notícia de mais essa tragédia carioca.

O episódio, para além de ser a notícia trágica de mais um desabamento, trazia consigo uma série de implicações que tocam em alguns dos principais problemas brasileiros (urbanos, habitacionais, sociais).
Envolvia o poder da milícias e dos grileiros, a inoperância e negligência do poder público, a vida de gente que não tinha voz nem força para enfrentar o Estado paralelo.

O desabamento era a conclusão soturna do retrato de um país onde construções irregulares são levantadas e vendidas para pessoas que gastam o que não têm para realizar o sonho do teto próprio, mesmo sabendo dos riscos.

Na edição impressa de sábado, 13, os leitores receberam alguns desses relatos e avaliações críticas da situação.

Para o secretário de Redação da Folha, Vinicius Mota, “o conjunto de reportagens e análises oferecido ao leitor da Folha sobre os desastres provocados pelas chuvas no Rio pareceu, no geral, adequado, com histórias humanas e questões políticas tratadas no site e no papel”. Ele avalia que é natural que a cobertura da Folha tenha sido mais enxuta do que a de O Globo, jornal carioca. 

“Nossa equipe de repórteres no Rio é a segunda maior fora da sede, atrás apenas da lotada em Brasília, e tão qualificada quanto as melhores do jornal”, assinalou. 

Em nome da transparência, devo dizer que a ombudsman da Folha vive no Rio, sendo influenciada diretamente pelos problemas enfrentados pela cidade. No dia específico do temporal, estava em São Paulo.

Na sexta-feira, recebi email de um leitor que dizia: “Acabam de desabar prédios no Rio. É o caso da minha casa, interditada pela Defesa Civil e colocada à venda em Osasco. Já avisei que vai morrer gente e pedi para a Caixa nos tirar daqui, mas ninguém liga. Nós corremos risco de morte”.

O alerta reforçou a impressão de que havia correlações a serem feitas entre a realidade carioca e aquela vivida na região metropolitana de São Paulo, o berço da Folha.

O jornal fica muitas vezes amarrado nas picuinhas políticas e nas tontices do governo Bolsonaro e esquece que o que importa são as pessoas. E havia milhares delas atingidas de uma forma ou de outra no Rio. Além de outros milhares de leitores interessados no que aconteceu e desejosos de saber por que aconteceu.

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