Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trump, o intimidador, falha novamente

Como muitos americanos, Trump tem dificuldade para entender o fato de que outros países são reais

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As crises internacionais geralmente levam, pelo menos inicialmente, a um aumento do apoio à liderança de um país. E isso está claramente acontecendo agora. Apenas algumas semanas atrás, o líder do país enfrentou um descontentamento público tão intenso que seu poder parecia estar em risco.

Agora, o assassinato do general Qassim Suleimani transformou a situação, gerando uma onda de patriotismo que fortaleceu muito as pessoas no comando.

Infelizmente, essa manifestação patriótica em torno da bandeira não está acontecendo nos Estados Unidos, onde muitos (com boas razões) suspeitam profundamente dos motivos de Donald Trump, mas no Irã.

Em outras palavras, a mais recente tentativa de Trump de intimidar outro país saiu pela culatra —assim como todas as suas tentativas anteriores.

O presidente Donald Trump na Casa Branca em Washington, DC - Saul Loeb/AFP

Desde seus primeiros dias no cargo, Trump agiu sob a crença aparente de que poderia facilmente intimidar governos estrangeiros —que eles se dobrariam rapidamente e se deixariam humilhar. Ou seja, imaginou que enfrentaria um mundo de Lindsey Grahams, disposto a abandonar toda a dignidade à primeira sugestão de desafio.

Mas essa estratégia continua falhando; os regimes que ele ameaça são fortalecidos, e não enfraquecidos, e é Trump quem acaba fazendo concessões humilhantes.

Lembre-se, por exemplo, de quando Trump prometeu "fogo e fúria", caso a Coreia do Norte não suspendesse seu programa de armas nucleares? Ele reivindicou vitória após uma reunião de cúpula em 2018 com Kim Jong Un, o líder norte-coreano. Mas Kim não fez concessões reais, e a Coreia do Norte anunciou recentemente que poderá retomar os testes de armas nucleares e mísseis de longo alcance.

Ou considere a guerra comercial com a China, que deveria colocar os chineses de joelhos. Um acordo foi supostamente alcançado, embora os detalhes permaneçam obscuros; o que está claro é que ficou aquém dos objetivos dos EUA e que as autoridades chinesas estão jubilosas com seu sucesso em confrontar Trump.

Por que a estratégia internacional de Trump, que pode ser descrita como vencer por intimidação, continua falhando? E por que ele a continua seguindo mesmo assim?

Uma resposta, suspeito eu, é que, como muitos americanos, Trump tem dificuldade para entender o fato de que outros países são reais —ou seja, que não somos o único país cujos cidadãos preferem pagar um alto preço em dinheiro e até com sangue a fazer o que consideram concessões humilhantes.

Pergunte a si mesmo: como os americanos reagiriam se uma potência estrangeira tivesse assassinado Dick Cheney, alegando que ele tinha o sangue de centenas de milhares de iraquianos em suas mãos? Não responda que Suleimani foi pior. Não vem ao caso. A questão é que não aceitamos que governos estrangeiros têm o direito de matar nossas autoridades. Por que imaginar que outros países são diferentes?

Certamente, temos muitas pessoas no corpo diplomático com profundo conhecimento de outros países e suas motivações, que entendem os limites da intimidação. Mas qualquer pessoa com esse tipo de compreensão foi excluída do círculo mais próximo de Trump.

Agora, é verdade que por muitos anos os EUA tiveram uma posição de liderança especial, que às vezes envolvia um papel na reformulação dos sistemas políticos de outros países. Mas é aqui que entra o segundo erro de Trump: ele nunca deu qualquer sinal de entender por que os EUA costumavam ser especiais.

Parte da explicação, é claro, era o mero poder econômico e militar: os EUA costumavam ser muito maiores que todos os outros. Isso, no entanto, não é mais verdade. Por exemplo, por algumas medidas chaves, a economia da China é significativamente maior que a dos Estados Unidos.

Ainda mais importante, no entanto, era o fato de os Estados Unidos serem algo mais que um grande país exercendo sua força. Sempre defendemos algo maior.

Isso não significa que sempre fomos uma força do bem; os EUA fizeram muitas coisas terríveis durante seu reinado como hegemonia global. Mas claramente defendíamos o Estado de direito global, um sistema que impunha regras comuns a todos, inclusive a nós mesmos. Os Estados Unidos podem ter sido o parceiro dominante em alianças como a Otan e órgãos como a Organização Mundial do Comércio, mas sempre tentamos nos comportar como apenas o primeiro entre iguais.

Ah, e como estávamos comprometidos com a aplicação de regras, também éramos relativamente confiáveis; uma aliança com os EUA era importante, porque não éramos o tipo de país que trairia um aliado por conveniência política em curto prazo.

Trump, no entanto, deu as costas a tudo o que costumava tornar os Estados Unidos ótimos. Sob sua liderança, não nos tornamos nada mais que um grande valentão egoísta —um valentão com ilusões de grandeza, que não é tão duro quanto imagina.

Abandonamos repentinamente aliados como os curdos; homenageamos criminosos de guerra; aplicamos tarifas punitivas a países amigos como o Canadá sem um bom motivo. E, é claro, depois de mais de 15 mil mentiras, nada do que nosso líder e seus subordinados dizem pode ser confiável.

As autoridades de Trump parecem surpresas com as consequências uniformemente negativas do assassinato de Suleimani: o regime iraniano está fortalecido, o Iraque tornou-se hostil, e ninguém se manifestou em nosso apoio. Mas é isso o que acontece quando você trai todos os seus amigos e desperdiça toda a sua credibilidade.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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