Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu

A modéstia radical do orçamento de Biden

Como fazer coisas grandiosas sem afirmações bombásticas

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Muitas das reportagens sobre a proposta de orçamento do governo Biden, divulgada na sexta-feira (28), transmitem a impressão de que seu valor é imenso. O presidente Biden, gritam algumas manchetes, quer gastar US$ 6 TRILHÕES (R$ 30,9 trilhões) no ano que vem. (Desculpe, não consegui evitar a tentação de imitar o Dr. Evil).

É preciso vasculhar os textos por algum tempo para descobrir que o ponto de partida –a quantia que o governo estima gastaríamos no próximo ano fiscal sem suas novas propostas– é de US$ 5,7 trilhões (R$ 29,4 trilhões).

Na verdade, uma das coisas mais impressionantes sobre a iniciativa orçamentária de Biden –e possivelmente sobre todo seu governo– é a relativa modéstia em termos tanto do dinheiro gasto quanto das promessas quanto ao que esse dinheiro realizaria.

Ele não está propondo ou prometendo uma revolução. Apenas políticas que tornariam as vidas dos americanos significativamente melhores. E, pelo menos para mim, isso parece imensamente refrescante depois das declarações bombásticas e completamente livres de resultados de seu predecessor.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante discurso no estado da Virgínia - Ken Cedeno - 28.mai.21/Reuters

É bom ressaltar que o plano de Biden não é de forma alguma trivial. O orçamento propõe que o governo federal realize gastos equivalentes a 24,5% do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos 10 anos, ante 22,7% caso nada seja alterado.

O aumento, propelido principalmente por uma elevação nos gastos com infraestrutura e assistência a famílias, é maior do que parece porque porção tão grande das despesas atuais é dedicada às forças armadas, Medicare e previdência social. Mas não estamos falando de socialismo, tampouco. A proposta ainda deixaria os Estados Unidos com um governo menor do que os da maioria dos demais países ricos.

Ainda assim, os gastos adicionais fariam imensa diferença para alguns setores econômicos, especialmente o de energia renovável, e melhorariam imensamente as vidas de alguns americanos, especialmente as famílias de renda mais baixa e com filhos.

Notavelmente, porém, o governo não está afirmando que essas políticas acelerariam dramaticamente o crescimento econômico. Os economistas do presidente anterior previam que suas políticas produziriam um crescimento sustentado de 3% ao ano no PIB, o que teria sido extraordinário em uma economia cuja população em idade de trabalho mal cresce. Os economistas de Biden projetam crescimento de menos de 2% anual, depois que a economia se recuperar da pandemia.

Por que essa modéstia? Parte disso pode ser estratégia política: Biden gosta de prometer menos do que cumpre, exatamente como fez com as vacinas.

Os economistas do governo estão bem otimistas, por exemplo, com a possibilidade de que as políticas de benefícios às crianças e outras medidas de apoio às famílias resultem em uma expansão da participação na força de trabalho e que investir nas crianças produza grandes retornos econômicos em longo prazo.
Mas eles também conhecem a História.

Governos podem fazer muito para combater recessões de curto prazo (ou agravá-las), mas o fato é que é muito difícil que políticas públicas façam grande diferença na taxa de crescimento da economia em longo prazo.

Isso é algo que a direita jamais compreendeu (é difícil levar pessoas a compreender alguma coisa quando seus salários dependem de que não a compreenda).

Os conservadores estão sempre promovendo a reivindicação de que cortes de impostos, especialmente, vão acelerar o crescimento; eles amam citar o suposto triunfo econômico de Ronald Reagan. Mas Reagan presidiu a apenas dois anos de crescimento muito rápido, e em um momento no qual a economia se recuperava de uma severa recessão.

Ao longo da década de 1980, a economia cresceu apenas 0,015 ponto percentual –quase nada— mais rápido do que nos problemáticos anos 70.

E observar a História de modo mais amplo, em nível nacional e estadual, mostra que previsões de que cortes de impostos produzirão milagres econômicos jamais se confirmaram –nenhuma vez. E tampouco, aliás, as previsões de que aumentos de impostos, como os que Biden propõe aplicar às empresas e aos ricos, conduzirão ao desastre.

Assim, faz sentido que o governo Biden evite fazer promessas exageradas sobre crescimento econômico. Mas isso significa que os planos não são importantes? De forma alguma.

A verdade é que, embora as políticas do governo raramente tenham grande efeito sobre o ritmo geral de crescimento da economia, elas podem ter grandes efeitos sobre a qualidade de vida dos cidadãos.

Governos podem, por exemplo, garantir que seus cidadãos tenham acesso a serviços de saúde de custo acessível; podem reduzir drasticamente o número de crianças cujas vidas serão maculadas pela pobreza.

O plano de Biden daria grandes passos nessas duas frentes, e em outras. E é nesse sentido que o plano de Biden, a despeito de seu custo relativamente modesto, representa uma ruptura radical com as políticas econômicas do passado.

Nas últimas quatro décadas, o debate econômico nos Estados Unidos foi dominado por uma ideologia fundamentalmente oposta a gastar dinheiro a fim de ajudar os cidadãos comuns. Não podemos tomar mais dinheiro, emprestado, para não causar uma crise de dívida pública. Não podemos aumentar os impostos de quem pode pagar, para não destruir seu incentivo a que criem riqueza.

O orçamento de Biden, porém, revela um governo livre desses medos. Não propõe grandes gastos bancados por déficits, mas aponta que o peso da dívida federal, se medido corretamente, é mínimo. E os integrantes do governo deixaram claro que não acreditam na propaganda do baixo imposto.

Seria possível dizer que a coisa mais importante sobre esse orçamento não é tanto os dólares que ele desembolsa, mas o dogma que ele descarta. E se a presidência de Biden for vista como sucesso, essa libertação ideológica terá imensas consequências.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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