Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

A banalidade do colapso da democracia

Experiência democrática nos EUA pode estar se aproximando do fim

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The New York Times

A experiência democrática nos Estados Unidos pode bem estar se aproximando do fim. Não é hipérbole; isso é óbvio para qualquer pessoa que esteja acompanhando a cena política.

Os republicanos podem tomar o poder legitimamente; podem vencer por meio de esforços generalizados de supressão dos eleitores; legisladores republicanos podem simplesmente se recusar a certificar votos democratas no colégio eleitoral, e declarar Donald Trump ou seu herdeiro político vencedor.

Não importa como o processo transcorra, o Partido Republicano vai tentar garantir o controle permanente do poder e fazer tudo que pode para suprimir qualquer dissensão.

Mas como chegamos a esse ponto?

Apoiadores de Donald Trump, então presidente dos EUA, durante invasão ao Capitólio - Alex Edelman - 7.jan.21/AFP

Lemos a cada dia sobre a ira da base republicana, que acredita por maioria esmagadora, com base em absolutamente nada, que a eleição de 2020 foi roubada, e sobre extremistas no Congresso que insistem que a exigência para que as pessoas usem máscaras é equivalente ao Holocausto.

Eu argumentaria, no entanto, que tomar a insanidade como foco pode prejudicar nosso entendimento sobre como tudo isso se tornou possível.

As teorias de conspiração dificilmente são novidade na vida nacional americana; Richard Hofstadter escreveu “The Paranoid Style in American Politics” (O estilo paranóico na política americana, em tradução livre) em 1964. A ira branca vem sendo uma força poderosa pelo menos desde o surgimento do movimento dos direitos civis.

O que é diferente desta vez é a aquiescência da elite republicana. A grande mentira sobre a eleição não surgiu das bases —foi promovida de cima, inicialmente por Trump em pessoa mas, o que é mais importante, é que praticamente nenhum dos políticos republicanos mais conhecidos se dispôs a contradizer as afirmações dele, e muitos se apressaram a apoiá-las.

Ou, para caracterizar as coisas de outra maneira, o problema fundamental está menos nos malucos do que nos carreiristas; menos na insanidade de Marjorie Taylor Greene do que na falta de espinha dorsal de Kevin McCarthy. E essa falta de espinha dorsal tem raízes institucionais profundas.

Os cientistas políticos perceberam há muito tempo que nossos dois grandes partidos políticos têm grandes diferenças em suas estruturas subjacentes.

O Partido Democrata é uma coalizão de grupos de interesse —sindicatos, ambientalistas, ativistas LGBTQ etc. O Partido Republicano é o veículo de um movimento coeso e monolítico. Ele é descrito muitas vezes como um movimento ideológico. Se bem que, se considerarmos as reviravoltas dos últimos anos –a adesão repentina ao protecionismo, os ataques às grandes empresas que adotaram posições progressistas—, a ideologia do movimento conservador parece menos evidente do que seu desejo de deter o poder.

De qualquer forma, a coesão dos conservadores por muito tempo tornou a vida relativamente fácil para os políticos e os governantes republicanos.

Os democratas profissionais tinham de negociar um caminho entre demandas muitas vezes contrastantes, de diversos eleitorados. Tudo que os republicanos precisavam fazer era seguir a linha do partido.

A lealdade era recompensada com assentos seguros no Legislativo e, se um republicano bem estabelecido por acaso perdesse uma eleição, o apoio de bilionários significava que existia uma rede de segurança —“a previdência dos extremistas”— na forma de postos administrativos muito bem remunerados em instituições de pesquisa financiadas pela direita, empregos na Fox News e assim por diante.

É claro que a vida fácil de um republicano profissional não era atraente para todos. O Partido Republicano há muito tempo vem sendo um lugar desconfortável para pessoas com conhecimento especializado genuíno e reputação verdadeira no mundo externo, que se veem pressionadas a endossar afirmações que sabem serem falsas.

O campo que eu conheço melhor, a economia, contém (ou costumava conter) diversos republicanos com reputações acadêmicas sólidas.

Como quase todas as demais disciplinas acadêmicas, o ramo se inclina aos democratas, mas muito menos do que acontece em outras ciências sociais ou nas ciências mais duras. No entanto, o Partido Republicano sempre preferiu obter assessoria de charlatães politicamente confiáveis.

O contraste com a equipe de Biden, aliás, é extraordinário. A esta altura, é quase impossível encontrar um especialista genuíno em política tributária, mercado de trabalho etc. —um especialista com reputação independente e que espere voltar a uma carreira não política dentro de um ou dois anos— que não tenha aceitado um posto no governo.

A situação pode ser ainda pior para um político que de fato se preocupe com políticas públicas, ainda tenha princípios e conte com um eleitorado pessoal distinto de sua afiliação partidária. Não existe espaço, entre os republicanos atuais, para o equivalente a Bernie Sanders ou Elizabeth Warren, a menos que você conte o extremamente sui generis Mitt Romney.

E a predominância de carreiristas obsequiosos é o que o torna o Partido Republicano tão vulnerável a ser tomado por autoritários.

A maioria dos republicanos do Congresso com certeza sabe que a eleição não foi roubada.

Poucos deles acreditam realmente que a invasão da sede do Congresso foi uma operação antifa disfarçada ou uma peregrinação turística inofensiva. Mas depois de décadas como uma entidade monolítica e controlada do topo, o Partido Republicano está repleto de pessoas que se dispõem a seguir a linha do partido aonde quer que ela os leve.

Por isso, se Trump ou uma figura semelhante a Trump declarar que sempre estivemos em guerra com o leste da Ásia, bem, seu partido dirá que sempre estivemos em guerra com o leste da Ásia. Se ele disser que venceu a eleição presidencial por maioria esmagadora, seus partidários repetirão que ele venceu por maioria esmagadora.

O ponto é que nem a megalomania no topo e nem a ira na base explicam por que a democracia pende por um fio nos Estados Unidos. Covardia, e não loucura, é o motivo por que o governo pelo povo pode em breve perecer em nosso mundo.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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