Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu The New York Times

Negação climática, da Covid, e a queda da direita

Fomos da sujeição cínica aos interesses corporativos a uma irracionalidade agressiva e performativa

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The New York Times

Antes que a direita decidisse encampar a negação da Covid, já existia a negação da mudança no clima. Muitas das atitudes que caracterizaram a resposta da direita à pandemia do coronavírus –a recusa a reconhecer os fatos, acusações de que os cientistas são todos parte de uma vasta conspiração liberal, a recusa em enfrentar a crise– foram prenunciadas no debate quanto ao clima.

Mas com base na resposta das autoridades republicanas à Covid-19 –especialmente sua oposição a vacinas capazes de salvar vidas–, fica difícil escapar à conclusão que o viés paranoico e irracional da política americana não é tão ruim quanto imaginávamos, e sim muito, muito pior.

Na segunda-feira (9), o Painel das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas divulgou seu mais recente relatório. As conclusões não surpreenderão qualquer pessoa que venha acompanhando a questão, mas mesmo assim são aterrorizantes.

Alguns grandes danos causados pela mudança no clima já são irreversíveis, o painel concluiu. Eles já estão acontecendo, na verdade, e o mundo está experimentando eventos climáticos extremos como as ondas de calor na região Pacífico Noroeste dos Estados Unidos e as inundações na Europa, cuja ocorrência se tornou ainda mais provável por conta da elevação na temperatura mundial.

Mas podemos, no entanto, prever com segurança agora de que maneira os conservadores influentes reagirão ao relatório, se é que haverá reação. Dirão que não passa de uma farsa, ou que os dados científicos ainda não são claros, ou que qualquer tentativa de mitigar a mudança no clima poderia devastar a economia.

Ou seja, reagirão da mesma maneira que reagiram a alertas passados –ou da mesma maneira que reagiram à Covid-19. Eventos climáticos extremos provavelmente não mudarão qualquer coisa. Afinal, governadores republicanos como Ron DeSantis, na Flórida, e Greg Abbott, no Texas, continuam a se opor a medidas de controle do vírus –não só se recusando a agir, mas também tentando bloquear regras de obrigatoriedade de vacinação adotadas por governos locais e até por empresas privadas– enquanto o número de hospitalizações em seus estados dispara.

No entanto, embora haja semelhanças importantes entre a resposta da direita à mudança no clima e sua resposta à Covid-19, também existem diferenças importantes. A pandemia levou a uma travessia de novas fronteiras de irresponsabilidade destrutiva.

O fato é que a negação da mudança no clima era uma irresponsabilidade moral, e indefensável intelectualmente, mas ela pelo menos fazia sentido, ao menos para as mentes estreitas.

Para começar, os avisos sobre a mudança no clima sempre envolveram consequências de longo prazo, o que facilitava para os negadores afirmar que flutuações de curto prazo serviam para refutar todo o conceito. “Está vendo? Hoje está frio. A mudança do clima é uma farsa!” Essa espécie de evasão se tornou mais difícil recentemente, agora que estamos vendo a cada dois anos incêndios e inundações de uma escala que só surgia uma vez por século. Mas ajudou a confundir a questão.

E também havia dinheiro grosso por trás da negação da mudança no clima. Os interesses associados aos combustíveis fósseis estavam dispostos a gastar imensas quantias para criar uma névoa de ceticismo na expectativa de que postergar a ação quanto ao clima beneficiasse seus resultados de negócios.

Por fim, e talvez menos importante ainda que não irrelevante, os ideólogos do livre mercado não queriam ouvir falar de problemas que o livre mercado não é capaz de resolver.

Nenhuma dessas explicações funciona, no caso da atual negação da Covid.

As empresas podem ter protestado contra lockdowns que reduziram suas vendas, mas, até onde consigo ver, elas estão ansiosas por promover o máximo de vacinação, o que as ajudaria a voltar ao normal nos negócios, e número crescente de empresas está impondo regras de vacinação obrigatória.

E até mesmo os libertários mais radicais em geral admitem que promover a vacinação, para deter uma praga, é um papel válido para o setor público.

E no entanto, eis o ponto a que chegamos: tentar limitar uma pandemia mortífera, mesmo por meio de vacinas que geram imensos benefícios e pouco risco, se tornou uma questão partidária contenciosa.

Como isso aconteceu? Eu contaria a história da seguinte maneira: o ritmo rápido de vacinação dos Estados Unidos no segundo trimestre foi uma excelente notícia para o país –mas era também uma história de sucesso para o governo de Joe Biden. Por isso, conservadores influentes –para quem atacar os liberais é sempre um objetivo primordial– começaram a bloquear os esforços de vacinação.

Isso teve consequências graves. Como escrevi antes, o Partido Republicano moderno é mais parecido com um culto político autoritário do que com um partido político normal, e por isso a obstrução à vacinação –não um ataque às vacinas em si, mas a oposição a qualquer esforço realizado para aplicá-las nas pessoas - se tornou um teste de lealdade, a posição que um militante deveria assumir para provar sua lealdade aos republicanos e a Trump.

Presumivelmente, os políticos que tomaram essa decisão não faziam ideia de que a realidade contra-atacaria tão rápido e de forma tão pesada –que a Flórida em pouco tempo se veria com um índice de hospitalizações nove vezes maior que o de Nova York, e que algumas cidades do Texas ficariam sem leitos de UTI disponíveis. Mas é quase impossível para eles mudar de rumo. Se Ron DeSantis admitir o quanto seus erros sobre a 19 foram letais, as ambições políticas dele estariam arruinadas.

Por isso, a negação da Covid provou ser ainda pior do que a negação da mudança no clima. Fomos da sujeição cínica aos interesses corporativos a uma irracionalidade agressiva e performativa. E a direita continua sua queda, em um poço aparentemente sem fundo.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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