Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Rússia é uma superpotência Potemkin

A guerra na Ucrânia revelou a verdadeira fraqueza do regime de Putin

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Cuidado, Vladimir Putin: a primavera está chegando. E quando ela chegar você perderá grande parte da vantagem que ainda tiver.

Antes que Putin invadisse a Ucrânia, eu poderia ter descrito a Federação Russa como uma potência de médio porte lutando acima do seu peso em parte por explorar as divisões e a corrupção ocidental, em parte por manter uma poderosa força militar. Desde então, porém, duas coisas ficaram claras. Primeiro, Putin tem ilusões de grandeza. Segundo, a Rússia está ainda mais fraca do que a maioria das pessoas, inclusive eu, parecia perceber.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou - Sergei Guneyev - 27.fev.2022/AFP

Há muito está evidente que Putin quer desesperadamente restabelecer a posição da Rússia como Grande Potência. Seu já infame discurso de "não existe algo chamado Ucrânia", em que ele condenou Lênin (!) por dar a seu vizinho o que Putin considera uma falsa sensação de identidade, deixou claro que seu objetivo vai além de recriar a União Soviética --ele aparentemente quer recriar o império czarista. E aparentemente pensou que poderia dar um grande passo nesse sentido com uma guerra curta e vitoriosa.

Até agora não saiu conforme planejado. A resistência ucraniana tem sido feroz; os militares russos foram menos eficientes do que se anunciava. Fiquei especialmente marcado por reportagens de que os primeiros dias da invasão foram prejudicados por graves problemas logísticos --isto é, os invasores tiveram dificuldade para equipar suas forças com o básico da guerra moderna, principalmente combustível. É verdade que problemas de abastecimento são comuns na guerra; mas a logística é uma coisa em que os países avançados deveriam ser realmente bons.

Entretanto, a Rússia parece cada vez mais menos um país avançado.

A verdade é que eu estava sendo generoso ao descrever a Rússia como uma potência de médio porte. A Grã-Bretanha e a França são potências de médio porte; o PIB da Rússia é apenas pouco mais da metade de cada uma delas. Parecia notável que um estado tão economicamente peso-leve pudesse sustentar militares de classe mundial, altamente sofisticados --e talvez não pudesse.

Isto não pretende negar que a força que arrasa a Ucrânia tem enorme poder de fogo e pode até tomar Kiev. Mas eu não me surpreenderia se a análise posterior à guerra da Ucrânia acabar mostrando que havia muito mais podridão no centro dos militares de Putin do que qualquer um percebia.

E a Rússia começa a parecer ainda mais fraca economicamente do que antes de ir à guerra.

Putin não é o primeiro ditador brutal a fazer de si próprio um pária internacional. Até onde posso ver, entretanto, ele é o primeiro a fazê-lo enquanto preside uma economia profundamente dependente do comércio internacional --e com uma elite política acostumada, mais ou menos literalmente, a tratar as democracias ocidentais como seu quintal.

Pois a Rússia de Putin não é uma tirania hermética como a Coreia do Norte ou, em certo sentido, a antiga União Soviética. Seu padrão de vida é sustentado por grandes importações de bens manufaturados, a maioria paga por exportações de petróleo e gás natural.

Isso deixa a economia russa altamente vulnerável a sanções que podem perturbar seu comércio, realidade refletida na forte queda na segunda-feira (28) no valor do rublo, apesar de um grande aumento nas taxas de juros domésticas e tentativas draconianas de limitar a fuga de capitais.

Antes da invasão era comum falar sobre como Putin tinha criado a "fortaleza Rússia", uma economia imune a sanções econômicas, acumulando um enorme tesouro de guerra em reservas cambiais. Hoje, porém, esse discurso parece ingênuo. O que, afinal, são reservas cambiais? Não são sacos de dinheiro. Na maior parte, elas consistem em depósitos em bancos internacionais e propriedades em dívidas de outros governos --isto é, ativos que podem ser congelados se a maior parte do mundo se unir em repulsa contra a agressão militar de um governo vilão.

É verdade, a Rússia também tem um volume substancial de ouro no país. Mas quão útil é esse ouro como meio de pagar por coisas de que o regime Putin precisa? Você pode realmente conduzir uma empresa moderna de grande escala com lingotes?

Finalmente, como comentei na semana passada, os oligarcas russos estocaram a maior parte de seus ativos no exterior, tornando-os sujeitos a congelamento ou confisco se governos democráticos quiserem. Você poderia dizer que a Rússia não precisa desses ativos, o que é verdade. Mas tudo o que Putin fez no cargo sugere que ele considera necessário comprar o apoio dos oligarcas, por isso sua vulnerabilidade é a vulnerabilidade dele.

Incidentalmente, um enigma sobre a imagem de força da Rússia pré-Ucrânia era como um regime cleptocrático conseguia ter militares eficientes e efetivos. Talvez não tivesse.

Mesmo assim, Putin ainda tem um ás na manga: políticas ineficazes tornaram a Europa profundamente dependente do gás natural russo, potencialmente inibindo a reação do Ocidente à sua agressão.

Mas a Europa queima gás principalmente para aquecimento; o consumo de gás é 2,5 vezes maior no inverno do que no verão. Bem, o inverno vai acabar em breve --e a União Europeia tem tempo para se preparar para mais um inverno sem gás russo se estiver disposta a fazer opções difíceis.

Como eu disse, Putin pode até tomar Kiev. Mas mesmo que o faça ele terá se tornado mais fraco, e não mais forte. A Rússia agora se revela uma superpotência Potemkin, com muito menos força real do que parece.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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