Está na história da política do Brasil a frase de Millôr Fernandes sobre o ex-prefeito do Rio Saturnino Braga. Com a prefeitura falida, no final da década de 1980, Millôr decretou que Saturnino foi, como prefeito, “o homem que desmoralizou a honradez".
O Brasil de 2020 desmoralizou a modernidade.
Ou pelo menos o que pareceu moderno, quando Jorge Jesus venceu a Libertadores pelo Flamengo e a pólvora apareceu: o técnico estrangeiro.
São todos bem-vindos. O que estraga o trabalho deles é o dirigente, a torcida e a imprensa brasileira. Todos nós.
O que se convenciona chamar de cultura e responde pelo analfabetismo dos clubes do Brasil foi capaz de contratar e dispensar seis dos nossos hóspedes: Jesualdo Ferreira, Rafael Dudamel, Augusto Inácio, Sá Pinto, Domènec Torrent e Ramon Díaz.
Sobrevivem Abel Ferreira, no Palmeiras, e Jorge Sampaoli, no Atlético-MG. O argentino Eduardo Coudet pediu demissão do Internacional quando liderava o Brasileiro e rumou para a Espanha, onde já ajuda a tirar o Celta da zona do rebaixamento.
As experiências ruins não devem servir para não trazer mais os forasteiros. Expulsos devem ser os dirigentes que contratam sem saber por que e demitem sem entender a razão.
Rafael Dudamel caiu no Atlético-MG após dez partidas, com duas derrotas. Jesualdo Ferreira dirigiu o Santos por 15 partidas, cinco perdidas. Sá Pinto deixou o Vasco na terça-feira (29) também após 15 jogos, e Domènec Torrent durou 23.
O último chegou consagrado por ter montado times junto com Guardiola por dez anos e saiu execrado por não convencer seus jogadores.
Inacreditável é ouvir avaliações sobre trabalhos de 10, 12, 15 partidas. “Sá Pinto não fez um bom trabalho”, dizem. Quinze jogos em um time são como 15 dias para um executivo. Não dá para nada.
Jorge Jesus é um grande técnico. Sá Pinto, não. Fracassou no Sporting, no Belenenses, foi campeão da Copa da Bélgica pelo Standard. Sucesso efêmero.
Pecador é quem contrata: “A hora certa de tirar Ramon Menezes será quando estiver na zona de rebaixamento?”, questionou o presidente do Vasco, Alexandre Campello, ao trocar o treinador décimo colocado do Brasileiro. Sá Pinto perdeu o emprego em 17º.
Em 2019, o Flamengo mostrou que é possível contratar o melhor técnico do mundo, pelo preço que se pode pagar. Se a opção mais adequada para seu clube está na Holanda, vá buscar. Se estiver em Piracicaba, também.
Difícil é fazer a escolha correta e, principalmente, oferecer segurança para o trabalho acontecer. Fernando Diniz é um herói, desse ponto de vista.
Não que seja uma lição para sempre, porque o Brasil esquece os aprendizados rapidamente. O São Paulo indica que é possível ganhar e perder, sobreviver e refundar seu trabalho em meio às pressões.
Raí diz que Fernando Diniz lembra Telê Santana, por causa da capacidade de melhorar o desempenho de jogadores. Não é apenas por isso. Telê esteve perto da demissão, três meses antes de ser campeão da Libertadores. Era chamado de pé-frio antes de ser campeão brasileiro.
Assim como Diniz, Renato montou e remontou formações diferentes do Grêmio nos últimos quatro anos. Nenhum time vence, apenas. A sabedoria está em saber sair das derrotas.
Jurgen Klopp é o melhor treinador do planeta e já disse o que pensa sobre o que ocorre por aqui: “Estão sempre trazendo treinador por uma semana, por um, dois ou três meses, e não dá para ter um desempenho maravilhoso assim".
Klopp desmoralizaria a competência, se trabalhasse por aqui.
Feliz 2021!
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