O Flamengo quebrou todos os paradigmas do futebol brasileiro em dez anos. Derrubou uma dívida de R$ 800 milhões para R$ 270 milhões e subiu sua receita de R$ 200 milhões para R$ 1,2 bilhão.

O Corinthians, primeiro clube do Brasil a alcançar R$ 300 milhões anuais, hoje arrecada 42% menos do que a Gávea.

O Flamengo conseguiu tudo isso explorando sua marca e criando fontes de arrecadação, sem depender exclusivamente dos contratos de TV. Em dez anos, o Flamengo evidenciou que o futebol brasileiro pode dar certo.

Fez quase tudo à perfeição.

Só não se livrou da política.

É ela, essa praga arraigada nos Conselhos Deliberativos dos clubes, com frequentadores de piscinas comportando-se como se disputassem vagas de garagem em reuniões de condomínio, que permite a quem vive na Gávea discutir o que acontece no Ninho do Urubu e arvorar-se a dizer se o trabalho tem de seguir ou se é preciso mudar de direção.

É o que explica o clube mais moderno do país ter tido oito treinadores nos últimos quatro anos, mais do que Palmeiras, São Paulo, Corinthians, Fluminense e Grêmio. Foram R$ 22 milhões pagos em multas de rescisões de contrato.

Vá lá que esse valor virou dinheiro de pinga para quem é capaz de arrecadar R$ 1,2 bilhão. Não se trata de discutir o desperdício, mas o profissionalismo. Nenhuma empresa bem gerida muda seu principal executivo oito vezes em quatro anos.

O Flamengo não consegue quebrar esse paradigma e ser modelo de escolhas baseadas em critérios objetivos, para contratar ou para demitir.

Não é exclusividade da gestão Rodolfo Landim. Houve 13 treinadores nos seis anos de Eduardo Bandeira de Mello como presidente. Não é o mandatário. É o método.

Há o argumento de que o Flamengo muda muito, gasta com rescisões, mas ganha. Não faz sentido, ao perceber que o melhor elenco do país depende de suas qualidades individuais e não consegue ter uma expressão coletiva de seu estilo.

Isto não é, nem sequer, uma crítica. É um espanto.

Como o Flamengo pode ser exemplar em tantos aspectos e não escapar da pressão da velha política? Por que razão discute a incompetência de seus oito técnicos a partir da opinião de quem não tem competência? Se conselheiro fosse bom, a gente vendia.

Um dos prováveis benefícios das sociedades anônimas do futebol (SAF) é diminuir a influência política. Nos últimos anos, correu uma lenda urbana de que a entrada de investidores internacionais aumentou as trocas de técnico na Inglaterra. Não procede. Houve dez mudanças na temporada 1993/94, dez na passada, quatro na retrasada.

Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, tem uma teoria sobre o momento de mudar de técnico. "Quando ele não atinge o objetivo do clube." Juan Pablo Vojvoda tinha alcançado tudo a que o Fortaleza se propôs antes de passar 20 das primeiras 21 rodadas do Brasileiro de 2022 na zona de rebaixamento.

Não caiu.

Essa conta torna impensável demitir Vítor Pereira neste momento. Os desejos de um clube como o Flamengo não podem ser a Recopa e a Supercopa, torneios que marcam a festa do início de temporada. Os planos são maiores, mais audaciosos. Ganhar outra Libertadores, outro Brasileiro.

Perder o Mundial por uma preparação desastrada deve ser cobrado de quem montou a programação. Se alguém demite oito executivos em quatro anos, demita quem contrata.

Nesse ponto, o Flamengo precisa mudar. Porque, se o Flamengo melhorar, o futebol do Brasil poderá seguir seu exemplo.