Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Descrição de chapéu tecnologia

O grande desafio da ciência brasileira

Era do conhecimento exige investimentos em educação, ecossistemas de inovação, infraestrutura e rede de incentivos

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Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CiêncianasEleições, que celebra o Mês da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao papel da ciência na reconstrução do Brasil, em textos escritos por convidados ou por eles próprios. Cedo o espaço a Silvio Meira, chief scientist na TDS.company e professor extraordinário da Cesar.School.

Estamos na era do conhecimento, e para participar dela é preciso que alguns pilares estejam assentados. Vou tratar de quatro, mais críticos e de maior impacto.

Antes de mais nada, precisamos de gente educada e treinada para criar, adaptar, compartilhar e usar conhecimento.

Silvio Meira é um dos fundadores do Porto Digital, que transformou o centro histórico do Recife em um parque tecnológico
Silvio Meira é um dos fundadores do Porto Digital, que transformou o centro histórico do Recife em um parque tecnológico - Leo Caldas/Folhapress

Depois, de ecossistemas de inovação: universidades, centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI), parques tecnológicos, sistemas regulatórios e redes de empreendedores e investidores capazes de, articuladamente, produzir, adaptar, evoluir, transformar e aplicar conhecimento na solução de problemas locais, regionais e globais.

Em terceiro lugar, são necessárias infraestruturas compartilhadas e laboratórios de alta complexidade.

Por fim, um regime de incentivos e uma rede de instituições que promovam, habilitem e invistam nos outros três pilares de forma contínua, sistemática e sustentável no curto, médio e longo prazos.

Falta-nos gente educada e treinada, e para tanto precisamos de uma política nacional de educação que já comece na creche e na alfabetização.

Não se faz ciência de classe e em escala global, capaz de impactar produtividade, bem-estar coletivo e competitividade a partir de acasos aqui e ali nos estágios iniciais e intermediários da aprendizagem, em especial do sistema público de educação fundamental e médio, onde se encontra a vasta maioria dos estudantes brasileiros.

Nossos ecossistemas de inovação nunca estiveram tão mal. E não falo das políticas e do investimento nas universidades, centros de PDI e parques tecnológicos, pois tais políticas inexistem há tempos, e os investimentos, idem.

Eu me refiro às pessoas: ciência e tecnologia são feitas por pessoas, movidas por desafios, propósito e incentivos, assim como nas empresas.

Universidades e centros de pesquisa são abstrações conceituais e legais; seus prédios e laboratórios são meros espaços físicos. O que realmente importa, neles, são as pessoas, seus professores, pesquisadores e alunos, muitos dos quais já perderam a esperança não só na ciência brasileira, mas no Brasil.

Muito foi dito do atual estado das infraestruturas para a ciência e PDI, não é preciso enfatizar sua penúria. Lembro porém que, sem laboratórios nem instrumentos do porte de que dispõem as economias com as quais competimos ou queremos competir, sem insumos, sem colaboração interna ou global, não devemos esperar da ciência brasileira resultados que nos tornem tão ricos quanto o Uruguai —que tem mais do dobro da renda e dez vezes menos pobres do que aqui.

O que dizer sobre os incentivos e as instituições para a ciência, e PDI em geral, que deveriam ser pauta da política? Quase nunca os tivemos como deveríamos —e, quando dispusemos deles, tiveram vida efêmera.

O Ministério para Ciência e Tecnologia existe há 37 anos, período em que foi "reestruturado" nove vezes e teve 23 ministros (um a cada 1,7 ano), dos quais apenas 13 sobreviveram no cargo por pelo menos um ano.

O que dá uma ideia da capacidade que o Estado teve, até agora, de criar políticas, articular estratégias e estabelecer grandes desafios nacionais. Investimento contínuo, sistemático e sustentável no curto, médio e longo prazos... Nem pensar.

E o Brasil foi bom nisso, há décadas. O desafio de autossuficiência alimentar levou o Estado a criar incentivos e instituições.

A Embrapa, estabelecida em 1972, foi um de seus esteios e é um exemplo global de como educar e treinar muita gente, criar infraestruturas e formar ecossistemas de inovação. E fazer do Brasil um polo exportador de alimentos.

Não se trata de voltar cinco décadas, mas há desafios do presente que exigem, além de novos aprendizados, que se desaprenda outros tantos que não funcionam mais, e que se reaprenda tudo de bom que se esqueceu.

Até porque há um grande desafio, tão óbvio e paradoxal hoje como há 50 anos: o Brasil, quarto maior exportador de alimentos do mundo, tem 60 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, das quais 33 milhões passavam fome; a Holanda (45% da área de Pernambuco) é o segundo maior exportador, sem registro de fome.

Não se trata apenas de um imenso desafio social e humano. É principalmente um grande desafio de transição de uma economia rudimentar e desigual para outra, de conhecimento, inclusiva e equitativa.

Uma economia na qual ciência, tecnologia e inovação, e gente, educada e produtiva, globalmente competitiva, passem a ter papel central na reconstrução do Brasil.

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