Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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'Sou bicha, maquiada, de barba, evangélica e bolsonarista'

O maquiador Agustin Fernandez, melhor amigo de Michelle Bolsonaro, sofre ataques e teme pela saúde mental nas redes sociais

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"Mal começou o período eleitoral e já comecei a ser atacado e chamado dos piores adjetivos."

Assim começa um vídeo postado em 13 de setembro por Agustin Fernandez, maquiador e empresário que tem 4,5 milhões de seguidores no Instagram, onde compartilha momentos com a primeira-dama Michelle Bolsonaro, no posto de "primeiro-amigo" do casal presidencial.

De camiseta amarela, cor em referência a setembro como mês dedicado à saúde mental, "o divo da maquiagem" chama a atenção para o fato de ter sido atacado por uma suposta profissional da área.

"A pessoa postou um vídeo me diagnosticando com transtorno de personalidade. Isso é assunto sério e não deveria ser usado para me atacar por causa de diferenças políticas", disse ele à Folha.

Em 18 de setembro, lá estava Agustin causando alvoroço com outro post. Em um carrossel de quatro fotos, na primeira delas aparecem ele e Michelle em Londres, vestidos de preto, acompanhando as cerimônias fúnebres da rainha Elizabeth 2a.

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O maquiador Agustin Fernandez e a primeira-dama Michelle Bolsonaro posam para foto em Londres, durante as cerimônias fúnebres da rainha Elizabeth 2ª - @agustinofficial no Instagram

Na legenda, o maquiador fez um agradecimento à estilista, à chapeleira e a loja de calçados do Bom Retiro que cederam roupas e acessórios para o guarda-roupa solene da primeira-dama no Reino Unido.

A seguir, os principais trechos da entrevista sobre como preservar a saúde mental em tempos de polarização política, a amizade com os Bolsonaro e os ataques à direita e à esquerda.

DIVO NO DIVÃ

Tenho crises de ansiedade recorrentes. Eu ia no pronto-socorro pensando que estava infartando.

Sempre achei que meu déficit de atenção fosse parte da minha personalidade, mas chega uma hora que estava perdendo pessoas que amo. Esquecia de ligar para dar um feliz aniversário ou de ir ao velório da mãe de uma amiga.

Pensei em fazer um vídeo sobre o assunto, mas ficava com medo de expor minha intimidade e dos julgamentos. As pessoas não estão preparadas para falar de saúde mental.

Do nada, uma pessoa me ataca dizendo que eu teria transtorno de imagem. Graças a Deus, hoje eu tenho condição de pagar uma psiquiatra, que consulto todo mês, uma psicóloga. E se eu não tivesse?

ATAQUE EM VÍDEO

O vídeo circulou uns dias, mas meu jurídico entrou em contato e a pessoa removeu. Ela admitia nos comentários que não gostava de mim por causa do meu posicionamento político.

Entrei no Instagram dela, achando que seria de uma psicóloga. Vi que ela vende curso, treina pessoas, mas não tem formação para sair fazendo diagnóstico por aí e atacar alguém por um problema de saúde mental.

Se quero lançar um produto novo de cosméticos, preciso ter um dermatologista e um químico, que vão analisar a fórmula e enviar para a Anvisa. E sempre oriento os clientes a consultarem um dermatologista. É o correto.

Enfim, o fato me abalou porque estou ainda me conhecendo e não fechei 100% meu diagnóstico. Isso me deu vontade de ser uma voz ativa contra essa gente despreparada lidando com saúde mental na internet.

Consigo conviver com esquerda, mas não consigo conviver com coach. Se eu tiver que escolher entre namorar um esquerdista e um coach, me apresenta a pessoa de esquerda, meu amor.

PROFESSORA PETISTA

Minha professora de inglês, que amo de paixão, vai votar no Lula. Ela é apaixonada por ele. E a gente super se respeita. Ficamos tentando nos convencer um ao outro a mudar de lado.

O marido dela é bolsonarista. Quando falo que não se deve brigar por causa disso, ela diz que eu tenho comportamento de uma pessoa de esquerda.

Na área de produção de moda, audiovisual e de arte, a maioria das pessoas é de esquerda. Fui fazer uma produção para uma capa de revista e em nenhum momento nos desrespeitamos.

Até fizemos um vídeo engraçado, com um exorcismo. Todo mundo se reconheceu e tem dentro da família gente de esquerda e de direita se estranhando.

AMIZADE COM MICHELLE

Eu conheço Michelle há quatro anos. Ela não gostava de dar entrevistas nem de aparecer. É tímida. Eu sempre falo: "Amiga, o dia em que as pessoas te conhecerem, elas vão se apaixonar por você".

Pela história de vida dela, pelo contexto de onde ela veio. Michelle tem um lado humano muito forte. O coração dela se quebranta por animais, por morador de rua.

Sei que é uma curiosidade dos jornalistas a nossa amizade. Ela é primeira-dama, uma mulher conservadora, da igreja, casada há quase 15 anos. Ele é o presidente, tem quase 70 anos. Sou um gay solteiro, afeminado.

Maquiador de Michelle Bolsonaro em vídeos com a primeira-dama
Maquiador de Michelle Bolsonaro em vídeos com a primeira-dama - Divulgação/Instagram @agustinofficial

Somos pessoas extremamente diferentes e temos respeito um pelo outro. Frequento a casa do presidente e eles sabem que a minha professora é de esquerda. O presidente tem de ser incisivo com a oposição, mas respeita o eleitor.

Eu particularmente adoro as brincadeiras que ele faz. Não fica naquela posição de líder do executivo endeusado. Ele se coloca na altura das pessoas.

Eu sou muito brincalhão. Esses dias, fui para a igreja com Michelle e na volta ele perguntou como tinha sido. Eu respondi: "Voltei uma nova mulher!". Ele achou superengraçado.

7 DE SETEMBRO

Eu estava em Brasília no 7 de Setembro. Fico no Alvorada com eles. Quando vêm pra São Paulo, eles ficam lá em casa.

Depois do desfile, postei uma foto com a legenda: "o Divo, a Dama e o Imbrochável". Não fui maquiar Michelle. Faço e posto vários vídeos dela se maquiando e falando: "Do que adianta ter um amigo maquiador se tenho de me arrumar sozinha".

Fiz um outro vídeo em que a Michelle aparece com a voz de uma pastora dizendo que maquiagem é do diabo.

Essa pastora é tão radical que nem os próprios cristãos levam a sério. Ela aparece falando que foi arrebatada, teve uma experiência com Deus e viu muitas pessoas de maquiagem no inferno.

AGRESSORES DOS DOIS LADOS

Essas pessoas estão na esquerda e na direita. Desde 2018, fui muito hostilizado. Falavam tudo que você possa imaginar de maneira pejorativa. Usavam até da minha história de que já me prostituí, o que eu conto abertamente.

Não estou preocupado de mostrar as minhas dores, esse lado que não é tão divo. Falam que eu deveria voltar para o meu país, o Uruguai, que eu não poderia opinar sobre nada. Alguns atacam minha orientação sexual.

É pesado. Vejo muito na imprensa que tudo é vinculado à direita, mas é generalizado. Tem gente sem noção em todo lugar.

Recebi ameaças de morte. Já fizeram comentários com referências a mortes de LGBTs. Falam de crimes específicos desejando que eu passe pelo mesmo. Eu me lembro de uma travesti que morreu a pauladas. Desejaram que eu passasse por essa situação.

ATAQUES DE DIREITA

Não concordo quando vi o vídeo de um homem bolsonarista distribuindo marmita e falando que não ia mais ajudar uma mulher porque ela ia votar no Lula.

Isso é um absurdo. Eu faço trabalho voluntário na rua. Inclusive com Michelle. Nós jamais paramos para perguntar nada sobre religião e política.

A gente precisa entender que se nós estamos cuidando de pessoas em situação de vulnerabilidade, qualquer diferença que se tenha é irrelevante. Através do programa da Michelle, o Pátria Voluntária, ela ajudou muita gente na pandemia.

Temos um governo com um sistema econômico mais voltado para o capitalismo e a meritocracia, mas temos esse lado humano da Michelle, que é uma pauta que a esquerda sempre trouxe.

Entendo que a parte humana sem dinheiro também não existe. Hoje, eu posso comprar R$ 20 mil de alimento e doar.

Temos que construir uma sociedade onde as pessoas ganham mais dinheiro e colocam na rotina delas o trabalho voluntário. É o que a Michelle faz. Assim, nós vamos conseguir chegar em lugares que os governos não conseguem chegar. Fui a comunidades onde encontrei gente que não sabia que tinha auxílio emergencial.

VACINADO

Sou apaixonado pelo presidente e pela primeira-dama, como pessoas e também pelo trabalho que eles têm feito dentro das condições e de um cenário de pandemia.

O presidente não se vacinou, mas eu me vacinei e postei. Fui no postinho me vacinar e levei produtos da minha linha para as enfermeiras.

Sou coerente. Não é um apoio cego.

FÉ E POLÍTICA

Ser evangélico é acreditar em Deus e que Jesus passou pela Terra e se sacrificou por nós.

Entendo essas pessoas que sofreram por ter caído nas mãos de um líder religioso errado. Por isso, eu me posiciono na internet contra líder religiosos, de qualquer religião, que misturam as coisas.

Mas uma coisa que ninguém fala é que sempre sofri preconceito na comunidade LGBTQIA+. Não só por conta do meu posicionamento político. Isso agora se agravou. Ser amigo do Bolsonaro agora é argumento.

Já frequentei esse universo, onde falavam que eu era bonito, mas muito afeminado. Tenho 1m78, sou magrinho, uso maquiagem. Quebro tabus e estigmas. Se você parar para analisar, sou uma bicha, maquiada, com barba, que frequenta igreja evangélica e é bolsonarista.

ELEIÇÕES

Eu acho que Bolsonaro vai ganhar. Apesar das pesquisas, mas não sei dizer como elas funcionam.

Ele tá muito forte. Participei de uma feira de beleza e estava pronto para ser hostilizado. A maioria era de profissionais da beleza, muitos LGBTs e que não gostam do Bolsonaro.

Quando cheguei lá, o que tinha de bicha naquela feira pra bater foto comigo! Em vez de tapa na cara, só ouvia: "Eu amo Bolsonaro".

Eram profissionais que viram seus salões ou serviços de estética fechados na pandemia. Perderam os negócios e a fonte de renda. Concordam com a política de se proteger, mas não fechar tudo, o que o Bolsonaro foi contra. Isso fez esse pessoal prestar atenção no discurso dele.

As eleições já estão definidas. Ou vai ser Bolsonaro ou vai ser Lula. Se as pessoas já sabem em que elas vão votar, podem debater sem atacar, desmoralizar ou prejudicar a saúde mental de alguém. Todo mundo vem com sequelas da pandemia. Perdeu alguém, o trabalho, a empresa.

É desnecessário ser agressivo por conta do viés político. Isso só vai gerar uma crise de violência, que não sei onde vai parar.

Teve aquele policial que foi no aniversário e matou um petista. Depois teve um cara com uma tatuagem do Lula no braço que matou a esposa. Então, não tem como dizer quem é santo e quem não é.

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