Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Julgamento dos golpistas nos coloca diante de uma escolha ética e moral

Existe um modo vicioso e falso de combater o bolsonarismo

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Há duas formas primárias de se opor ao bolsonarismo. Uma é virtuosa e concorre para enfraquecê-lo. A outra é viciosa porque falsa. Fortalece aquilo que diz combater. O início do julgamento dos golpistas de 8 de janeiro, com Nunes Marques propondo dois aninhos e meio de regime aberto para depredadores dos Três Poderes, talvez contribua para que algumas almas que andaram um tanto confusas, a zanzar pelos círculos do inferno, encontrem o bom caminho. Não será ainda o paraíso; apenas a fuga de certo estado de confusão mental. Já é um ganho. Infelizmente, não há um Virgílio para nos advertir e nos instruir sobre os perigos das profundezas. Nem uma Beatriz a nos guiar para a salvação. É uma pena! Estamos todos cá, dentro de nós, obrigados a fazer escolhas, nem que seja o mal menor. Do que falo?

Bolsonaristas invadem a praça dos Três Poderes, em Brasília, e depredam os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal)
Bolsonaristas invadem a praça dos Três Poderes, em Brasília, e depredam os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal) - Gabriela Biló - 8.jan.23/Folhapress

Goste-se ou não, a verdade é que o bolsonarismo exerce o papel de um partido, que atua, inclusive, na clivagem de votos. O "Centrão" tem algo de etéreo. Trata-se de um sistema de relações de troca de pauta variável, elástica e até errática. Daí deriva a força de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Comporta-se como um eficientíssimo líder sindical da sua categoria. Conseguiu criar um Parlamento que, em boa parte, governa sem responder pelos resultados. Nota à margem: fez-se a minirreforma ministerial. Dei início à contagem regressiva para que Lira comece a advertir o governo de que ainda não tem uma base sólida. Leia-se: quer mais poder sem responsabilidade. Adiante.

O bolsonarismo é outra coisa. Constituiu-se também como ideologia. Sei que a palavra soa grave demais, até pomposa, quando se consideram as expressões mais estridentes e buliçosas dessa gente. Vejam o tal Nikolas Ferreira, que usa uma peruca loura para ironizar as pessoas trans, ou o espantoso Gustavo Gayer, para quem o "QI dos macacos" é superior ao dos africanos. Embora essa metafísica do atraso os abrace, ela é bem mais ampla e tem um enraizamento maior na sociedade do que muitos supõem.

Ainda que as aspirações dessa turma sejam financiadas por interesses econômicos identificáveis, escancarados às vezes, não são eles a lhes dar densidade eleitoral. A súcia conseguiu, com efeito, plasmar um conjunto de valores que supostamente explica a seus adeptos, a seu modo, o funcionamento da máquina do mundo. Um de seus pilares é o discurso do reacionarismo do medo. Apelam à prevenção reativa sob a alegação de que "o outro lado" faz pior. Exercitam, pois, como nenhuma força política fez antes no Brasil, o poder das vítimas. Seriam perseguidos por perigosos comunistas, razão por que precisam agir antes que "os outros" os destruam.

E agora começo a voltar lá ao primeiro parágrafo. Estou entre os que entendem que essa forma que me parece sucedânea de um partido e que empresta a seus adeptos uma explicação, estupidamente falsa, sobre o funcionamento da sociedade veio para ficar e representa uma ameaça efetiva a avanços civilizatórios da era democrática. Opor-se a ela torna-se um imperativo moral e ético incondicionado e virtuoso. O fenômeno tem se ser compreendido, caracterizado e enfrentado.

E há os que chamo "viciosos". Admitem, sim, que o ex-presidente é a vanguarda do atraso, mas não porque repudiem os pressupostos da reação, mas porque, dados os seus modos desastrados, contribuiria para fortalecer o PT. A sua divergência com a força hoje preponderante na direita não nasce de uma diferença de visão de mundo ou de agenda. É que julgam o bolsonarismo pouco inteligente diante dos supostos ardis do petismo. Chegam até a acusar Lula e Bolsonaro de dançar uma espécie de minueto de duelistas. De fato, não oferecem combate ao bolsonarismo; fortalecem-no. Seus verdadeiros inimigos são as esquerdas e o PT. São bolsonaristas com complexo de superioridade.

O início do julgamento dos golpistas vem nos lembrar a natureza da luta civilizatória. Nunes Marques pediu dois anos e meio em regime aberto para invasores do Congresso e do Supremo. Quem realmente considera que petismo e bolsonarismo são males equivalentes, opostos e combinados, bem, esse está nas profundezas e de lá não sairá tão cedo. Não há Virgílio ou Beatriz que os salvem.

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