Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reacionários da 'devastidão' se assanham contra o STF; e a última coluna

Deputado Pastor Sargento Isidório resolve rivalizar com Eliot sobre 'o que é um clássico'

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Esta é minha última coluna na Folha. Volto ao ponto no último parágrafo, como sempre. O país primeiro.

O Congresso tem aprovado pautas econômicas importantes. Tais matérias, com frequência, dizem respeito também a interesses dos patronos dos votantes. É do jogo. Exceção feita ao bolsonarismo fanático e a alguns vaidosos, chateados porque suas previsões estão sistematicamente erradas, ninguém torce para que o país desande. O Parlamento que aí está é, sim, o mais atrasado desde a redemocratização — quiçá o pior da história. Um novo surto de estupidificação, também a sincera, está em curso e tem como alvo o Supremo, justamente o ente que decide o destino dos golpistas. É retaliação. Infelizmente, até uma figura sempre ponderada, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, houve por bem disputar o coração dos dinossauros.

Plenário do Senado, sob a presidência de Rodrigo Pacheco - Pedro Ladeira - 1.jun.23/Folhapress

Evitei acima uma palavra, recusando o clichê "corações e mentes". Como ensina Francisco Torrinha, no "Dicionário Latino Português", "mens, mentis" designa "o princípio pensante", o "espírito", "a inteligência". E não reconheço tais manifestações na "devastidão" — termo que se esqueceu de acontecer — bolsonariana. "Devastação" não expressa a razia havida. O senador resolveu dar pipoca à ignorância. Patrocina uma PEC que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. Quer, assim, fazer frente a um STF que estaria a legislar no caso da maconha. A iniciativa ficaria bem num Tiranossauro Rex a se fingir de herbívoro boa-praça. Advogado, ele sabe que os presídios estão abarrotados de jovens, pretos e pobres em razão da aplicação porca de uma lei ruim. Se sua PEC prospera, tudo piora. Quem dá bola, senhor, para "a lágrima clara sobre a pele escura"?

Quer o quê? Sei lá. Ocorre-me, por exemplo, que Davi Alcolumbre (União-AP), seu antecessor no cargo e aliado, já é pré-candidato de novo à presidência da Casa. Estarão de olho nos votos dos "conservadores"? "Conservadorismo" é o vocábulo mais malbaratado da política nativa. Quem quer manter inalteradas as iniquidades ou extremá-las não "conserva" coisa nenhuma. Ao contrário: faz degenerar o tecido social, as leis e a Justiça. É um anticonservador. É um reacionário.

Há outra ação que mira o tribunal: o projeto de lei que define a Constituição de 1988 como o ano de referência para a demarcação de terras indígenas. O texto já foi aprovado pelos deputados. É grande o risco de ser piorado pelos senadores. Leiam o conjunto dos direitos assegurados àquela população e constatarão que a limitação temporal é inconstitucional. Uma lei não se sobrepõe à Carta.

Na Câmara, ensaia-se a tentativa de tornar ilegais futuras uniões homoafetivas, matéria já julgada pela corte. Não vai prosperar, eles sabem. O "Deputado Pastor Sargento" Isidório (Avante-BA) acredita ter a síntese definitiva sobre o caso: "Todo mundo sabe da minha fala clássica de que, é uma fala, inclusive, universal: o homem nasce como homem, com binga, portanto, com pinto, com pênis. Mulher nasce com sua cocota, sua ‘tcheca’, com sua vagina, mesmo com o direito à fantasia. Homem, mesmo cortando a binga, não vai ser mulher. Mulher, tapando a cocota, se for possível, não será homem, todo mundo sabe". O "Peçanha da genitália alheia" resolveu fazer sombra ao poeta Eliot na definição do que é um clássico...

Segue a sanha dos reaças contra o tribunal. O ódio aos ministros aumentou com a volta, vitoriosa, de Lula ao jogo eleitoral, com a resistência oferecida às sandices do biltre durante a pandemia e com a disposição de punir o golpismo. Nove meses depois daquele 8 de janeiro, dar corda e cartaz ao primitivismo mais abjeto sob o pretexto de enfrentar o ativismo dos magistrados é apostar na "devastidão" em que o "Deputado Pastor Sargento Isidório" nos revela o seu pensamento "clássico" e "universal" sobre binga e pepeca. É esse o caminho, Pacheco?

E agora o fim. Esta era a minha terceira jornada nesta Folha. Chega ao fim. Por quê? Não é por falta de leitores, sabemos todos. Recomendo que ouçam "Quereres", de Caetano. Eu e o jornal nos olhamos e nos dissemos: "Eu te quero (e não queres) como sou/ Não te quero (e não queres) como és". Vêm novidades por aí. Beijos.

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