Talvez uma das profissões mais ingratas do mundo seja a do técnico de futebol. Às vezes, três ou quatro derrotas podem ser o fim da linha para um treinador.
Mas quer uma profissão mais ingrata que essa? A de técnica de futebol. Em alguns casos, uma derrota é suficiente para justificar sua saída --aliás, tem vezes que até na vitória elas são dispensadas, como aconteceu com Ana Lúcia Gonçalves, demitida do Palmeiras neste ano após garantir o acesso do clube à primeira divisão do Campeonato Brasileiro feminino.
Tatiele Silveira passou dois anos no comando do Internacional e perdeu apenas dois jogos no período. Foram 34 vitórias em 41 jogos entre 2017 e 2018 no comando da equipe gaúcha, onde fez história também como jogadora. Mesmo com esse aproveitamento, não teve seu contrato renovado com o clube gaúcho.
Em 2019, foi para a Ferroviária e, pela primeira vez, comandou uma equipe na primeira divisão do Campeonato Brasileiro feminino. Seja por coincidência ou destino, ela hoje é finalista da principal competição nacional, surpreendendo até mesmo um dos times mais tradicionais e de maior investimento no meio do caminho --a Ferroviária de Tatiele derrubou o Santos nas quartas de final.
Oficialmente, ela é a primeira mulher no comando de um finalista do Brasileiro na história. No atual formato da competição, que existe desde 2013, houve também Doroteia Inojo, que até o ano passado era presidente do Rio Preto e esposa de Chicão, o técnico da equipe vice-campeã brasileira. Por conta de algumas suspensões do marido --e também pelo medo dele de viajar de avião--, por vezes foi ela quem comandou a equipe nos jogos.
Tatiele foi a técnica da Ferroviária do início ao fim do campeonato, em todos os jogos, sendo responsável por um resultado já considerado impressionante para uma equipe que não conta com o mesmo investimento dos times mais tradicionais do futebol masculino.
Com uma campanha um pouco irregular na primeira fase, ela classificou as chamadas "Guerreiras Grenás" somente na sétima colocação, eliminou o Santos nas quartas, o Avaí/Kindermann nas semifinais e conseguiu derrubar a sequência de 34 vitórias consecutivas do Corinthians justamente na decisão --1 a 1 no jogo de ida, na Fonte Luminosa.
Formada em Educação Física, pós-graduada em futebol, Tatiele já cursou todas as licenças da CBF, exceto a Pro. Trabalhou como auxiliar da seleção sub-17 no Mundial da categoria, em 2016, e vive seu auge neste momento. Tem um enorme desafio pela frente na final do Brasileiro, enfrentando um adversário que venceu tudo nos últimos anos.
Se Tatiele ainda está "começando" sua carreira de treinadora, Arthur Elias, técnico do Corinthians, já tem no currículo uma Copa do Brasil, uma Libertadores e um Brasileiro. Mas o resultado em campo neste domingo (29) será um detalhe. Porque na beira das quatro linhas, a técnica da Ferroviária já mostrou que dá para vencer. Como mulher em um meio tão masculino e tão preconceituoso, ela chegou ao topo e, sua simples presença ali já vai abrir caminhos para que outras sonhem em ocupar o mesmo lugar.
No Brasileiro deste ano, as mulheres eram 8 entre os 52 comandantes das equipes que disputaram Séries A1 e A2. Uma delas foi finalista. Na Copa do Mundo da França, elas eram 9 de 24, 5 delas passaram para as quartas de final (entre 8 classificados) e 2 delas foram finalistas. Qualidade não falta para as treinadoras --oportunidade, talvez.
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