A iminente saída do atacante Dudu, do Palmeiras, para um clube do Qatar tem ocupado o noticiário esportivo. Muito se comenta sobre a falta que ele irá fazer no plantel comandado por Vanderlei Luxemburgo.
Há também o debate financeiro, sobre o que isso representa para o Brasil no mercado da bola. E, vez ou outra, aparece ali no último parágrafo uma menção à denúncia de violência doméstica que o jogador enfrenta, a segunda na carreira. A primeira, em 2013, teve o atacante detido e posteriormente condenado a prestar serviços comunitários.
Nos programas esportivos, os debates sobre o “caso Dudu” vinham com muita cautela (com razão) e uma observação: “cabe à Justiça julgar”. Em seguida, vinham as imagens enviadas pela defesa do atleta, às vezes até com uma “análise descritiva” delas. A vítima foi sempre procurada, mas raramente quis se manifestar.
Não é mesmo função da mídia julgar Dudu ou qualquer outro atleta por nenhum crime, mas será que, nesse caso, a divulgação repetitiva das imagens enviadas pela defesa não contribui para um “julgamento” pela opinião pública? Enquanto as redes sociais clamavam às mulheres do jornalismo esportivo que se manifestassem sobre o “caso Dudu”, fiquei pensando qual seria o real papel da mídia esportiva em situações como essa.
Se a gente aprofundasse o debate sobre violência contra a mulher no futebol com a mesma seriedade com que nos debruçamos sobre a análise tática e os números de um jogo, já teríamos evoluído muito nessa questão —e talvez não veríamos acusações tão recorrentes envolvendo ídolos do esporte mais popular do país.
Se a violência contra a mulher fosse um sistema tático, ela seria o 536-177-7. O primeiro número representa a quantidade de mulheres agredidas por hora no Brasil. O segundo, a quantidade de mulheres espancadas nesse mesmo período de tempo. O terceiro é a quantidade de mulheres estupradas também a cada 60 minutos. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018. Boa parte desses crimes acontece dentro de casa, e a maioria dos agressores são conhecidos das vítimas. São números assustadores da nossa sociedade, e não podemos esquecer que o futebol está inserido nela. Não é preciso eleger culpados para inserir esse debate no meio esportivo.
No dia 6 de março de 2010, o goleiro Bruno, então no Flamengo, declarou diante de jornalistas: “Qual de vocês nunca discutiu, nunca até saiu na mão com a mulher, né cara? Não tem jeito, briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. A frase foi considerada “polêmica” na época, mas ninguém rebateu na hora ou contestou a naturalidade com a qual ele falou sobre um crime.
Dez anos depois, o ex-técnico René Simões deu uma entrevista defendendo a volta do futebol porque “tem amigos que já bateram em mulher”, e a reação da imprensa foi a mesma. Boa parte dos veículos repercutiram a “polêmica” sem de fato dar o nome correto a ela: René Simões falava de um crime.
Faltou, no mínimo, alertá-lo de que deveria chamar a polícia para denunciar isso.
Não são raros os casos de violência contra a mulher envolvendo jogadores. Lembrando os mais famosos dos últimos anos: o goleiro Jean, preso em flagrante nos EUA por agressão à ex-mulher, em janeiro; o atacante Robinho, condenado por estupro na Itália, em 2017; Bruno, condenado pelo assassinato brutal da mãe de seu filho, Eliza Samudio, em 2013.
Por que esses casos são tão recorrentes no futebol? Qual é o papel da imprensa, dos clubes, das federações no combate ao problema? Temos que tirar o assunto do último parágrafo e fazer dele debate constante.
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