Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Ginastas alemãs ousaram romper tradição e devem mudar cenário para as mulheres no esporte

Atletas utilizaram macacão que cobria as pernas, roupa que inibe sexualização de seus corpos

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Renata Mendonça

Já era de se esperar que a ginástica artística seria um dos pontos altos dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Primeiro porque é a modalidade da principal atração desta Olimpíada, Simone Biles. E segundo porque é o esporte que todo mundo gosta de ver, homens e mulheres desafiando a gravidade, a elasticidade, e, por que não, a própria humanidade.

Mas não é só por Simone Biles que a ginástica ficará marcada nesta Olimpíada. Também não é só pelo espetáculo que fez Rebeca Andrade no solo, transformando o Japão em um baile de favela.

Antes mesmo dessas apresentações, já havia um marco protagonizado pelas ginastas alemãs, que foram a um treino vestindo um macacão que cobria as pernas. Elas haviam se apresentado dessa maneira ainda em abril, no Campeonato Europeu de Ginástica Artística, justificando que essas seriam roupas mais confortáveis e que inibiriam a sexualização de seus corpos.

No último domingo (25), em Tóquio, as alemãs foram a única equipe olímpica da ginástica a se apresentar com um uniforme assim, longo.

Isso não é algo proibido pela regra, mas é incomum. Tradicionalmente, a ginástica sempre teve collants bem justos como o “uniforme padrão”, com pernas à mostra —quer dizer, isso na categoria feminina. Os homens tradicionalmente usam short no solo e calça em outros aparelhos.

“Todas nós, mulheres, queremos nos sentir bem nas nossas peles. Quando era uma garotinha, eu não via problema nas roupas justas de ginástica. Mas quando a adolescência começou, quando minha menstruação chegou, comecei a me sentir cada vez mais desconfortável”, explicou Sarah Voss, ginasta alemã, ainda em abril, na primeira vez que ela e suas colegas se apresentaram com um uniforme diferente, gesto que repetiram nas Olimpíadas.

Quando tradições são repetidas por muito tempo, é comum não se saber explicar a origem delas.

Por que o uniforme das mulheres na ginástica é um collant com as pernas à mostra e o dos homens permite um short ou calça? É provável que tenha a ver com a ideia que se tem de “lugar para as mulheres” na sociedade ou no esporte. O lugar da beleza, de ser agradável aos homens, atrativo a eles. A referência é sempre a apreciação deles, nunca o conforto delas.

A alemã Pauline Schaefer durante sua apresentação nas barras assimétricas
A alemã Pauline Schaefer durante sua apresentação nas barras assimétricas - Lindsey Wasson/Reuters

Nesta mesma semana, aconteceu outro caso que chamou a atenção, com a seleção norueguesa de handebol de praia. O time foi multado porque as jogadoras atuaram de short numa partida do campeonato europeu, em vez de utilizar o tradicional biquíni do uniforme.

Elas travam uma briga com a federação porque não se sentem confortáveis jogando com trajes tão cavados na areia. E, claro, os homens que praticam o mesmo esporte não são obrigados a jogar de sunga —o short é permitido no uniforme deles.

O que se defende não é a proibição dos collants na ginástica feminina ou os biquínis no handebol de praia. Mas sim que se trate como “normal” caso mulheres não se sintam confortáveis em utilizá-los. Que elas tenham o direito de escolha.

Porque essas roupas não cumprem requisitos técnicos. Não interferem de nenhuma forma no desempenho das atletas. Fazem parte daquelas tradições sempre reproduzidas sem que ninguém ousasse questionar “por quê?”. As alemãs questionaram e dá para imaginar que a próxima edição dos Jogos Olímpicos já trará um cenário diferente por isso.

Mas é importante não se confundir: a mudança dos uniformes das atletas da ginástica e do handebol de praia nada tem a ver com prevenção ao abuso sexual. Abusos não são cometidos devido à roupa que as mulheres estão usando. São frutos de uma relação de poder e da desigualdade de gênero que ainda coloca mulheres como objetos e homens como seus “donos”.

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