No outro dia, a minha filha mais nova estava a chorar.
Não era, como calculam, fato inédito, mas ainda assim há sempre no choro das outras pessoas (mesmo no de uma criança como a minha filha mais nova, que chora por tudo e por nada) qualquer coisa que nos incomoda.
Talvez esse incômodo não seja especial prova de altruísmo: é possível que o choro dos outros nos aflija menos porque a sua infelicidade, ali manifestada no choro, nos comove, e mais porque o choro é, de fato, perturbador da paz.
Há gritos, soluços, lamúrias, gemidos, fluidos que brotam dos olhos e, se o caso for mesmo grave, até do nariz. Não é um espetáculo bonito.
A minha filha mais velha resolveu tomar o caso em mãos e, à força de macacadas, conseguiu pôr a irmã a rir.
Depois gabou-se: “A Inês estava a chorar, mas eu ensinei-a a ficar contente”.
Os leitores já perceberam para onde é que isso caminha.
Estamos perante um daqueles casos em que, numa história banal do cotidiano, se encontra pretexto para uma reflexão de elevado teor filosófico.
É sempre irritante quando isso acontece. Na história sobre a qual nos debruçamos, o problema agrava-se porque mete crianças, que são tão lindas. Que chato.
Avancemos então, ainda que a contragosto, para a moral desta insignificante ocorrência. “Eu ensinei-a a ficar contente”, disse a minha filha mais velha há algumas linhas.
Primeiro, a frase supõe que riso e contentamento são a mesma coisa, quando isso não é necessariamente verdade.
Não é obrigatório que quem ria esteja alegre, mas a confusão é fácil —e significativa. Segundo, sugere-se ali que é possível ensinar a alegria. Será?
Sinceramente, não sei. A verdade é que sei muito poucas coisas. Mas sei que Nelson Rodrigues disse, glosando Nietzsche, que “a alegria é mais profunda do que a dor”, tese que contraria o que parece ser a opinião geral, que associa a profundidade à circunspecção e a alegria à leviandade.
A própria linguagem parece defender a maior profundidade da dor. Fala-se muito nas “profundezas do inferno”, mas “profundezas do paraíso” é uma expressão ainda à espera de ser cunhada.
Na verdade, creio que, diferentemente do que pretendia minha filha, ninguém ensina outra pessoa a ficar contente. Mas, aqui para nós, abençoados os que tentam.
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