Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva

CNJ regulamenta o calote nos precatórios dos anos 2022 e 2023

Com atraso, credores acabarão negociando seus créditos por valores aviltantes

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Neste ano, pelo menos parte dos precatórios não serão quitados. Sofrerão calote.

Quem ainda não recebeu os precatórios não pagos do exercício de 2022 ainda vai precisar esperar, pois não vai ter espaço fiscal para todos neste ano. E dos precatórios do exercício de 2023 apenas parte serão honrados, mesmo os de natureza alimentar que gozam de prioridade.

Diante do atraso irreversível que se vai acumulando ao longo do tempo, o Conselho Nacional de Justiça resolveu enfrentar o problema e editou a Resolução n° 482, norma que regulamenta o atraso em até mais de dois anos. Enquanto isso o crédito dos precatórios judiciais, no valor de R$ 50 bilhões, está sendo usado no superávit das contas públicas, decorrente de precatórios não pagos.

Se antes de 2019 o calendário dos precatórios federais era pago respeitando o prazo, com as mudanças do sistema de pagamento o governo irá usar o dinheiro dos precatórios para gastar com fins diversos. Essa prática esculhamba a programação financeira dos credores da União, inclusive aqueles que possuem verbas previdenciárias a receber, além de gerar endividamento pelo atraso ocasionado.

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), então líder do governo no Senado e relator da PEC dos Precatórios, e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, na sessão de votação da PEC, em 2021 - Jefferson Rudy - 2.dez.21/Agência Senado

Com a criação das emendas constitucionais n° 113 e 114, não se tinha noção do tamanho do atraso a que os precatórios poderiam ser submetidos. As emendas viabilizaram que os créditos judiciais não fossem equacionados no mesmo ano, gerando propositalmente o atraso por conta da criação do teto de gastos.

Começa-se a delinear o formato da bola de neve de proporção cada vez maior em razão do interesse do governo em dispor de parte do orçamento dos precatórios e adiar o pagamento a quem deve. A União, indiretamente, vai seguindo o mesmo caminho da problemática fila de precatórios de São Paulo, cujos prazos historicamente enfrentam excessiva demora.

A situação chegou a tal ponto que, diante dos atrasos frequentes e futuros, o CNJ autorizou que a dívida do ano anterior fosse preterida por precatórios superpreferenciais. Para quem não conhece o termo, significa a prioridade da prioridade. Quem é credor de verba de natureza alimentar já tem prioridade no pagamento dos precatórios. O crédito superpreferencial é a parcela que integra o crédito de natureza alimentícia, que já tem preferência normalmente, mas dentro deste grupo vai ter titulares com idade acima de 60 anos de idade, portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, mas tudo respeitando o teto de até R$ 234.360,00.

A organização da fila de preferências levará em conta que os precatórios superpreferenciais sejam pagos com preferência sobre todos os demais. Assim, os débitos até o limite de R$ 234 mil terão prioridade inclusive sobre os precatórios não pagos no ano anterior em virtude do regime de limitação de gastos instituídos pela emenda 114/2021. Com isso, os precatórios comuns de qualquer valor tanto do ano de 2022 como o previsto para ser pago neste ano de 2023 poderão ser adiados conforme disponibilidade do teto de gastos, afastando, dessa forma, os credores de terem acesso ao dinheiro a que fazem jus.

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Bolsonaro, Paulo Guedes e 'patriota' comemoram aprovação da PEC dos Precatórios, em 2021 - Jean Galvão - 6.nov.21/Folhapress

Apesar de precatório ser todo crédito acima de sessenta salários mínimos de quem ganhou ação contra o Estado, existe subclassificação que interfere na ordem de prioridade que costuma ser usada para o pagamento. Eis as categorias de requisitórios, incluindo a requisição de pequeno valor e os precatórios:

1) Requisições de Pequeno Valor (RPVs) de até R$ 78 mil reais;

2) Precatórios alimentares devidos às pessoas com mais de 60 anos, portadores de doença grave ou com deficiência física até R$ 234 mil;

3) Precatórios alimentares não enquadrados por idade, portador de doença grave ou deficiência até o valor de R$ 234 mil;

4) Precatórios alimentares superiores ao valor de R$ 234 mil;

5º) Precatórios comuns de qualquer valor.

Assim, esses precatórios são subdivididos considerando as características pessoais dos credores que repercutem na ordem de preferência e, portanto, na agilidade no pagamento. Por exemplo, um precatório preferencial toma a vez do precatório comum. E assim o atraso do precatório comum vai se acumulando com o decorrer do tempo.

Antes de 2021, esse atraso no âmbito federal praticamente não existia. A partir de então o governo autorizou usar esse dinheiro para aumentar o valor do Auxílio Brasil na véspera da eleição ou para outros fins, como melhorar o superávit das contas públicas. A consequência imediata é a fila extrapolar mais de dois anos, a depender da prioridade e da natureza do crédito.

Além do atraso, outra consequência é o impacto nas contas públicas. Como noticiou a Folha, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, mencionou que "há mais de R$ 50 bilhões acumulados de precatórios não pagos", referindo-se aos efeitos da emenda constitucional que permitiu à União adiar o pagamento de dívidas judiciais.

Uma parte do estoque de dívida do ano de 2022, por exemplo, estimada em R$ 22,3 bilhões a título de precatórios expedidos até 1º de julho de 2021, não vai ser paga em 2023. Com a atualização da Resolução 482, de 19 de dezembro de 2022, o CNJ sistematiza o atraso. Os precatórios não pagos em razão do atingimento do limite orçamentário previsto terão prioridade para pagamento em exercícios seguintes. No ano de 2023 não vai ter pagamento de nenhum dos precatórios comuns atrasados de 2022 e dos precatórios comuns do ano de 2023.

Na previsão orçamentária para o ano de 2023, o montante disponível para o pagamento de precatórios é inferior à dívida disponibilizada no ano anterior. Assim, o valor que não for pago em 2023 será transferido para o ano de 2024 e assim consecutivamente.

Em 2023, o Projeto de Lei Orçamentária já previu um calote de R$ 51,2 bilhões em precatórios para o ano de 2023 em função do teto constitucional para as dívidas judiciais. Em 2022, o governo já tinha deixado de pagar o equivalente a R$ 22,3 bilhões, valor que seria acumulado para 2023. Somando os dois anos o acumulado chega a R$ 74 bilhões.

Estima-se que cerca de 80% dos precatórios da União são relacionados a dívidas do INSS. O aumento desse atraso tornará mais frequente que o credor morra antes de recebê-lo, transferindo o direito aos herdeiros, ou termine negociando seu crédito por qualquer barganha, seja com o próprio governo para pagamento em parcela única e deságio de 40%, seja no mercado de precatórios, por valores aviltantes.

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