Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Descrição de chapéu inss

Documentário aborda a crise do sistema previdenciário brasileiro

'Nosso INSS' mostra aflições dos trabalhadores para serem bem atendidos

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De tão crônica que se tornou, a crise institucional pela qual passa o Instituto Nacional do Seguro Social ganhou as telas num documentário brasileiro chamado "Nosso INSS".

Ele mostra as aflições dos trabalhadores para conseguirem ser bem atendidos, as queixas dos servidores públicos para poder trabalhar decentemente e a dificuldade do governo em resolver esse imbróglio que se acumula há décadas.

Produzido pela Repórter Brasil e com a distribuição do UOL, o filme é dirigido por Carlos Juliano Barros e Caue Angeli. Eles fazem um raio-x da situação do sistema previdenciário brasileiro, que, pela extrema função social que detém, termina impactando as camadas mais humildes da sociedade e também a classe média.

"Nosso INSS" (2023) pode ser considerado a versão brasileira do filme "Eu, Daniel Blake" (2016), que retrata a realidade da seguridade social na Inglaterra. Embora muita gente ache que somente o sistema de seguridade brasileiro padece de externalidades negativas, na Inglaterra há também situações parecidas com o que se observa no Brasil. Os problemas em comum dos dois países são observados nos dois filmes, a exemplo das temáticas de alta médica precipitada, demora na análise dos benefícios e dificuldades tecnológicas.

Alta médica precipitada

No roteiro inglês, conta-se a história do marceneiro Daniel Blake, que se afasta do trabalho após sofrer ataque cardíaco e fica incapacitado. Ao buscar a seguridade social britânica, os médicos do governo entendem que ele é apto, posicionamento que o obriga a trabalhar doente enquanto aguarda o recurso administrativo.

No Brasil, em 2022, a perícia médica do INSS reprovou cerca de 50% de todos os benefícios por incapacidade solicitados, sendo muito desse contingente com alta médica precipitada, isto é, a pessoa foi considerada apta mesmo estando incapaz. "Nosso INSS" também fala do serviço ofertado pelos peritos médicos do INSS, que muitas vezes "nem olham no rosto da pessoa, só pedem o atestado médico. E mandam a pessoa sair da sala. E logo você já vê que o benefício foi indeferido", quando retrata a situação da agricultora Nelci Rodrigues.

Demora na análise

No filme britânico, a demora do órgão governamental em responder também é retratada. Daniel Blake recorre da decisão que negou o benefício e, como acontece no Brasil, demora bastante para receber uma resposta, a ponto de o protagonista reclamar na agência previdenciária inglesa: "Exijo minha data de apelação antes de morrer de fome".

Na nossa previdência, há também a versão brasileira do Daniel Blake. E também se chama Daniel o motoboy paulista que perdeu a visão, não consegue mais trabalhar e foi reprovado em duas perícias médicas do INSS. Obrigando a recorrer, até o lançamento do filme não teve resposta. A média brasileira pela espera por um recurso administrativo é de cerca de 411 dias, a fim de que o Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) possa avaliar.

Dificuldades tecnológicas

O choque de realidade em proporcionar sistema de informática indistintamente para vários segmentos sociais é outro ponto de reflexão no filme. A plataforma Meu INSS ajuda bastante a acelerar os pedidos concessórios e revisionais no instituto, mas é preciso ter uma sensibilidade que muitos brasileiros não têm para manipular esse ambiente digital, principalmente as pessoas mais idosas, analfabetas e os trabalhadores rurais. No Brasil, a falta de conectividade atinge 73% dos produtores rurais de norte a sul do país, que não têm acesso ou têm dificuldade de se conectar à tecnologia. São 195 milhões de hectares off-line.

Na versão inglesa, aborda-se a dificuldade do trabalhador em dar entrada no benefício, a burocracia do sistema e a questão de preencher vários formulários online, mesmo num país onde a taxa de alfabetização é de 99% da população e a dimensão territorial para cobertura de internet corresponde ao estado de São Paulo. Essa dificuldade tecnológica é também a realidade de muitos brasileiros que precisam usar a plataforma Meu INSS, via celular ou computador, mas são analfabetos funcionais ou não têm internet de boa qualidade, principalmente na zona rural.

Na opinião de Carlos Juliano Barros, um dos produtores do filme, o documentário não é apenas uma denúncia sobre os motivos que levaram o INSS a prestar um atendimento ruim à população. "Na verdade, o filme é uma defesa de um órgão público que é frequentemente atacado, mas que é vital para a distribuição de renda a 37 milhões de brasileiros", esclarece Barros.

Segundo o produtor, nos "últimos anos, com a aposta na tecnologia para tentar compensar a queda no quadro de servidores, o INSS se transformou num calvário para milhões de pessoas à espera de resposta para seus pedidos de benefícios. Evidentemente, não se trata de um problema do Brasil apenas. A desestruturação de serviços públicos —e notadamente do sistema de aposentadoria— tem causado duros protestos na França, por exemplo. E há importantes filmes, como o premiado 'Eu, Daniel Blake', uma de nossas inspirações, que denunciam esse desmantelamento".

Guardadas as proporções entre os dois países, Inglaterra e Brasil enfrentam dificuldades governamentais em prover com eficácia o sistema de seguridade social, mas, enquanto o filme "Eu, Daniel Blake" é uma ficção, "Nosso INSS" expõe uma situação que infelizmente está longe de ser fictícia.

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